14.08.2020 Saúde Pública

Conitec abre consulta pública para incorporação de medicamento que previne AVC em pessoas acima de 60 anos; entenda

Por CDD

Dabigatrana pode ser incorporado ao SUS e melhorar qualidade de vida de pacientes

O pai de Maria Carolina de Sá Martinkovic morreu aos 71 anos, vítima de AVC. Waldir Nogueira de Sá começou a apresentar nervosismo e confusão mental, como conta a filha: “Ele ficou internado 59 dias, tendo outros AVCs durante esse período e agravando o quadro”.

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) anunciou abertura da consulta pública até o dia 17 de agosto para o tratamento do acidente vascular cerebral com Dabigatrana para prevenção de AVC em pacientes acima de 60 anos, com fibrilação atrial não valvar que não conseguem permanecer na faixa terapêutica de razão normalizada internacional com varfarina e idarucizumab para reversão do efeito anticoagulante da dabigatrana.
Esse medicamento faz parte do grupo dos novos anticoagulantes. Na opinião do cardiologista Carlos Alberto Pastore, o uso pode ser benéfico. “Eles estão sendo usados pois tem menos efeitos colaterais e não precisam de controles laboratoriais frequentes como os antigos. Acredito que possa facilitar o controle destas doenças crônicas”, enfatiza.


Diferentes tipos de AVC e medicamentos disponíveis

O neurologista Denis Bernardi Bichuetti explica que o AVC isquêmico é responsável por 80% dos casos. O acidente vascular cerebral hemorrágico ocorre em decorrência normalmente de hipertensão, diabete, obesidade, tabagismo, que são causas também de doenças cardiovasculares e também podem entupir vasos cerebrais. “Quando eu tenho algum problema cardíaco, a formação de um coágulo no coração pode fazer com que esse coágulo vá para a cabeça. Esse problema cardíaco pode ser uma arritmia, uma fibrilação atrial, má formação cardíaca ou uma sequela no músculo cardíaco decorrente do infarto do miocárdio”, afirma o professor doutor.

Bichuetti também ressalta que o AVC isquêmico cardioembólico é o prevalente em idosos. “Esses quadros não são prevenidos com os medicamentos habituais, como aspirina, clopidogrel, estatina e outros. Sendo assim, o que se trata o AVC isquêmico são os anticoagulantes. O disponível hoje é a Varfarina, da segunda geração, muito eficaz, tem disponível no SUS, é de baixo custo na farmácia, mas você tem que fazer exame de sangue a cada quatro ou seis semanas para controlar o nível do remédio. Se tiver baixo, não faz efeito. Se tiver alto, pode causar sangramento. Tem que ter um médico e fazer a consulta praticamente uma vez por mês”, explica o neurologista.

A única crítica do especialista é em relação à faixa etária de liberação da Dabigatrana. “Porque acho que tem que ser liberada para todo mundo, não só quem tem mais idade. Tem que ser para todo mundo que tenha AVC cardioembólico. A vantagem da Dabigatrana é que, como ela é mais estável, você não tem a necessidade de fazer o exame de sangue a cada quatro semanas. Com isso, tem uma maior eficácia, com menor risco. A eficácia dos dois medicamentos é igual, mas o que a gente está fazendo com a Dabigatrana é evitando uma série de consultas médicas e um exame de sangue para um medicamento que é mais estável”, ressalta.

O médico Denis Bernardi Bichuetti destaca que é preciso colocar na balança todo o custo benefício envolvido. Se o custo da incorporação da Dabigararna for muito maior do que oferecer uma consulta a cada quatro semanas incluindo o valor da consulta médica, o tempo do médico, o tempo de uso do consultório, realização de exames de sangue frequentes, o custo do transporte do paciente e o potencial dia de trabalho perdido com isso, se tudo isso for muito menor do que a incorporação da Dabigatrana, talvez diria que o remédio tem que ser incorporado desde que o custo seja equivalente a tudo isso. Para o paciente e para o médico é muito mais prático”, avalia.

Maria Carolina, que perdeu o pai em junho de 2019, acredita que o desfecho da história seria outro, caso houvesse um tratamento preventivo eficaz. “Seria de muita importância a incorporação pelo SUS de um medicamento capaz de prevenir o AVC para pessoas acima de 60 anos. Talvez meu pai estivesse vivo”, se emociona.


Saiba como participar da consulta pública

A consulta pública de número 29, voltada para o tratamento do acidente vascular cerebral (AVC) Dabigatrana para prevenção de AVC em pacientes acima de 60 anos, vai até o dia 17 de agosto. A Conitec recebe contribuições e opiniões de toda a sociedade, que pode concordar ou não com o parecer da comissão.

Existem dois formulários: o de experiência/opinião (para pacientes, associações, cuidadores e sociedade em geral) e o técnico-científico (para instituições e profissionais de saúde). No caso da experiência, qualquer paciente, mesmo que não tenha utilizado o medicamento que está em análise na consulta pública, pode contar sobre sua vivência.
Para dar opinião sobre o assunto e participar da consulta pública nº29, acesse o portal da Conitec.

>> SAIBA MAIS: Confira 6 passos para entender o que é uma consulta pública 

Posicionamento da Boehringer:
Em nota, a Boehringer afirma que acredita que “o debate transparente e legítimo entre todos os atores do sistema de saúde, incluindo as associações que representam os pacientes, é realmente benéfico para se avaliar melhorias e avanços em prol de todos nós brasileiros e usuários do SUS”.

O cenário do AVC no país, que motivou a demanda da Boehringer à Conitec, é este: a cada 6 segundos, uma pessoa morre devido a um acidente vascular cerebral (AVC) no mundo. O AVC é a 2ª causa de morte no Brasil e a principal causa de incapacidade no mundo.  Foram gastos aproximadamente R$274 milhões em internações por AVC em 2018 no SUS. Anualmente 102 mil pessoas morrem devido a um AVC no Brasil, superando o número de mortes por Câncer de Mama (18,4 mil) e Câncer de Próstata (16,7 mil). Cerca de 30% dos pacientes que sobrevivem a um AVC ficam com sequelas graves no Brasil.  Estima-se um gasto médio de aproximadamente R$ 10.780/ano para cada paciente com sequela.
Sobre a relação entre o AVC e a fibrilação atrial (FA), cerca de 20% dos AVCs são atribuídos à Fibrilação Atrial (FA). Os pacientes que sofrem AVC por FA apresentam maior mortalidade e sequelas mais graves. Estima-se que até 90% dos casos de AVC podem ser evitados com a prevenção adequada. O uso de anticoagulantes reduz aproximadamente 60% a incidência de AVC em pacientes com FA.

AVALIAÇÃO – A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde publicou parecer preliminar desfavorável à incorporação no SUS da dabigatrana para prevenção do acidente cerebral vascular em pacientes acima de 60 anos com fibrilação atrial não valvar que não conseguem permanecer na faixa terapêutica de razão normalizada internacional com varfarina e idarucizumab para reversão do efeito anticoagulante da dabigatrana.
Para tomar a decisão a Conitec considerou os seguintes aspectos: I) poucas mudanças foram apresentadas nas evidências clínicas incluídas entre os pedidos de incorporação de 2018 e 2019; II) um alto aporte de recursos financeiros apontados na AIO, bem como o elevado custo unitário da dabigatrana em comparação a varfarina (R$2,05 versus 0,10, respectivamente); III) o vencimento da patente do medicamento no mês de junho de 2020 e o provável surgimento de medicamentos genéricos com o potencial de redução do preço medicamento, inclusive, com propostas de incorporação economicamente mais vantajosas para o Ministério da Saúde; IV) riscos de efeitos indesejáveis tais como: AVC isquêmico, infarto do miocárdio, embolia pulmonar, mortalidade por causas vasculares, mortalidade por qualquer causa; sangramento gastrointestinal e sangramento extracraniano; VI) os custos logísticos para a distribuição do medicamento idarucizumab pelo SUS.


FUNDAMENTAL – (X) Não Concordo

A CDD não concorda com a não incorporação da Dabigatrana no SUS, uma vez que, é um medicamento eficaz que é possível ser utilizado com acompanhamento médico mais espaçado. Entendemos que o número de consultas médicas e a quantidade de exames necessários para o uso da única terapia disponível hoje (e igualmente eficaz) é impraticável por boa parte dos pacientes no país, situação que se agrava em locais de difícil acesso e longe de grandes centros urbanos. Entendemos ainda que esse medicamento deveria ser ofertado a todas as pessoas, sem restrição de faixa etária.

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