Antipsicóticos estão em falta nas farmácias do SUS

Medicamentos da classe dos antipsicóticos, como a Clozapina, são importantes para a manutenção do tratamento de Esquizofrenia e outros transtornos mentais. 

Citação – “É um retrocesso no tratamento, tanto na questão do funcionamento da química cerebral, quanto da aceitação do paciente em tomar medicamentos. Muitos de nós cuidadores, levamos anos para essa conscientização, atentando para a importância de tomar os remédios. A falta deles acaba por fazer com que muitos não queiram recomeçar o tratamento depois” – Sarah Nicolleli.

Guarulhos, dezembro de 2021. Desde o fim de novembro tem sido difícil encontrar alguns medicamentos para o tratamento da Esquizofrenia nas farmácias de alto custo do Sistema Único de Saúde (SUS). É o que informa a Associação Mãos de Mães pela Esquizofrenia (AMME), através de sua presidente Sarah Nicolleli. De acordo com um levantamento realizado por mães deste grupo localizadas em todo o país, são diferentes tipos de medicamentos que estão em falta, em pelo menos nove estados. Entre os principais medicamentos, a ausência dos antipsicóticos, tratamento essencial para a Esquizofrenia, causa grande preocupação.

“É um retrocesso no tratamento, tanto na questão do funcionamento da química cerebral, quanto da aceitação do paciente em tomar medicamentos. Muitos de nós cuidadores, levamos anos para essa conscientização, atentando para a importância de tomar os remédios. A falta deles acaba por fazer com que muitos não queiram recomeçar o tratamento depois”, comenta Nicolleli, mãe de uma pessoa com Esquizofrenia.

A Associação Gaúcha de Familiares de Pacientes Esquizofrênicos (Agafape), também tem encontrado dificuldade para achar os antipsicóticos nas farmácias do estado do Rio Grande do Sul, que podem chegar a R$ 350,00 a caixa. Com o medicamento se esgotando em casa, os familiares e cuidadores estão preocupados com o que pode acontecer em caso da descontinuação do tratamento.

Ambas associações buscaram os órgãos públicos e pediram respostas para a falta de medicamentos, mas o esclarecimento dos órgãos estaduais é de que a responsabilidade pela dispensação das medicações seria do Ministério da Saúde, que até o momento não havia retornado a elas. No entanto, de acordo com uma reportagem veiculada na RBS TV do Rio Grande do Sul, na segunda-feira, dia 13 de dezembro, o Ministério da Saúde respondeu que a falta de medicamentos seria suprida nos próximos dias. O abastecimento da Clozapina foi de fato logo percebido por membros da Agafape, porém não pela AMME, pois “o estado de São Paulo continua um caos para que as pessoas encontrem os remédios”, contou Nicolleli.

De qualquer forma, a recomendação neste momento é para que as pessoas que perceberam que suas medicações irão acabar e ainda não conseguiram encontrar caixas disponíveis, procurem seus médicos para buscar uma orientação específica para seus casos. De acordo com a médica psiquiatra e professora do Departamento de Psiquiatria da UFRGS / Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Clarissa Gama, a parada abrupta da medicação na Esquizofrenia é muito impactante. “Parar em até uma semana duplica o risco de internação, esse é o maior risco e a pessoa pode voltar a ter os sintomas e eles levarem a uma nova internação”, explica.

Ainda, segundo Gama, a parada da Clozapina, um antipsicótico considerado de classe superior para o tratamento, tem um outro componente de atenção após a interrupção do remédio. “Uma vez que a pessoa pára por mais de uma semana e retoma depois, ela precisará voltar a fazer o controle de hemograma semanalmente como se fazia no início do tratamento”, complementa.

Para a gerente geral da associação Crônicos do Dia a Dia (CDD), e cuidadora de uma pessoa com Esquizofrenia, Bruna Rocha, faltar medicamento é algo que não pode acontecer em nenhuma situação de doença. “Nas doenças mentais, a falta de um medicamento por um dia pode levar a pessoa a ter uma exacerbação dos sintomas. No caso da esquizofrenia, pode levar a uma internação hospitalar, que além de traumática, tem um custo financeiro para o estado e emocional imenso para a família. Não podemos admitir a falta de um medicamento tão importante para tantas famílias”, comenta ela.

Tratamento da Esquizofrenia no Brasil

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Esquizofrenia é um transtorno mental grave, que afeta cerca de 23 milhões de pessoas no mundo. O grupo de transtornos mentais como a Esquizofrenia são caracterizados por distorções no pensamento, percepção, emoções, linguagem, consciência do “eu” e comportamento. No Brasil, são cerca de 1,6 milhões de pessoas com a condição. 

A psiquiatra Clarissa Gama comenta que, do ponto de vista farmacológico, a Esquizofrenia é muito bem assistida no Brasil pelo SUS. “As medicações da classe dos antipsicóticos atípicos ou de segunda geração, como a Clozapina, estão disponíveis no Brasil em qualquer unidade da federação, através da solicitação de medicamento especial, são alguns: Olanzapina, Risperidona e Quetiapina”, nomeia ela. Segundo Gama, também existem medicamentos da primeira geração oferecidos pelo SUS, porém, o fato de ter remédios da segunda geração à disposição faz com que seja melhor prescrevê-los preferencialmente. 

Além do tratamento medicamentoso, existem diferentes terapias. Entre as possibilidades, há um movimento nascido nos Estados Unidos nos anos 60, sobre um conceito chamado Recovery, ou restabelecimento (superação). De acordo com o Diretor-Presidente da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE), José Orsi, o Recovery existe para que a pessoa, uma vez estabilizada, consiga se tornar funcional em diferentes aspectos de sua vida, inclusive na sua reinserção social.

Segundo Orsi, que também possui o diagnóstico de Esquizofrenia e é mestre e doutorando em saúde mental na Unifesp, cada pessoa tem o seu próprio histórico. “A ideia é a horizontalização do tratamento, com a participação efetiva da pessoa com a condição na busca pela superação, autonomia, motivação para engajar-se na vida, empoderamento e controle da doença”, detalha. 

Além disso, segundo ele, o Recovery propõe um novo olhar para o tratamento de transtornos mentais graves. Não é um movimento antipsiquiatria, mas sim uma forma de buscar tratamentos científicos, baseados em evidências, que possam ajudar as pessoas a alcançarem o restabelecimento.

“Para a pessoa que tem um transtorno mental, cabe pensar num dia de cada vez. Matar um leão por dia. Não é fácil, a doença mental não tem cura, tem controle, e via de regra ela demanda uso de medicação contínua pro resto da vida”, acrescenta Orsi. 

Protagonismo das pessoas com Esquizofrenia e a campanha “Ouçam nossas vozes”

O projeto Recovery ainda estabeleceu o conceito da palavra “protagonismo” das pessoas com diagnósticos de transtornos mentais graves. A ideia do movimento é personalizar a história de cada um, resultando em uma horizontalização do tratamento. Há a participação efetiva da pessoa com a condição na busca pela superação, autonomia, motivação para engajar-se na vida, empoderamento e controle das decisões sobre a própria doença. 

Também com o objetivo de dar visibilidade às pessoas com Esquizofrenia e para quebrar estigmas e preconceitos, a farmacêutica Janssen criou em 2021 a campanha “Ouçam nossas Vozes”. A CDD, entidade que busca ampliar o diálogo entre pessoas com condições crônicas e facilitar a comunicação de informações científicas e de qualidade, também busca realizar um acolhimento dedicado a pessoas com diagnósticos crônicos. Junto com a associação co-irmã Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) atende uma média de 3 mil pessoas online mensalmente.

Mais informações: https://cddold.puntocomunicacao.com.br/.

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