26.04.2021 Outras Patologias

Projeto Parto Adequado pretende estimular redução de cesáreas no Brasil; procedimentos chegam a 84% na saúde suplementar

Por CDD

Apesar de campanhas de incentivo, mulheres ainda sofrem violência obstétrica

Nesta reportagem, você ficará sabendo que:
– Nos planos de saúde, 84% das mulheres fazem cesáreas;
– Desde 2004, a ANS promove iniciativas para reduzir o número de cesarianas na saúde suplementar;
– Apesar das campanhas de incentivo, muitas mulheres não têm acesso à informação de qualidade sobre o parir;
– Agência Nacional de Saúde Suplementar, o Institute for Healthcare Improvement, o Hospital Albert Einstein e o Ministério da Saúde prorrogaram o acordo de cooperação do Projeto Parto Adequado até abril de 2022.

Por muitas décadas, talvez por reforço da indústria cultural, com seus filmes e novelas, ou por causa de histórias passadas de geração para geração, o ato de dar à luz foi e ainda é um mito para muitas mulheres. O medo da dor ou o receio da mortalidade no parto normal rondam a mente da gestante, que tem de lidar com uma série de dúvidas a respeito do processo que envolve a maternagem. Isso faz com que muitas grávidas passem pela cesariana.

“Na época que eu estudei, era predominantemente parto normal. A grande questão hoje é a institucionalização, ou seja, o parto realizado num hospital leva de 8h a 12h. Acho que tem a visão do obstetra e da própria instituição, que ponderam que o parto normal demora, que tem que ter muita gente a disposição, que é custoso do ponto de vista operacional, uma ocupação de leito maior. No tempo de um parto normal daria para fazer seis cesáreas”, afirma a ginecologista Regina Ares, que tem mais de 30 anos de carreira.

Só nos planos de saúde, o percentual de partos cesáreos chega a 84%, de acordo com a ANS. “Acho que o número de cesarianas é alto no Brasil porque, primeiro, a paciente tem medo, segundo a cesárea agendada dá segurança para a paciente, ao médico e é uma comodidade, ou seja, a paciente não fica sem ter o médico dela presente na hora do parto”, avalia a obstetra.

Para Vitória Bernardes, integrante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), é preciso refletir sobre o fato de o Brasil liderar o índice de cesáreas no mundo. “Será que é porque as mulheres não estão sabendo parir ou estão sendo levadas a acreditarem que não sabem? Qual é a lógica de mercado sobre o ato? A gente pode fazer uma analogia entre maternidades de hospitais particulares e hotéis, em que você tem um horário de check in e check out. Se você tem um horário que sabe que ela (gestante) vai entrar e sair, consegue planejar o seu próximo cliente. O que não é possível fazer no processo de parto natural não induzido. Só que isso não é dito de forma nítida para a mulher fazer a escolha. É colocado como se o corpo dela não fosse capaz, que precisa de intervenção”, ressalta.

Barriga de mulher branca e grávida enquadrada no lado esquerdo da imagem.

A cesariana, quando não tem indicação médica, traz riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Em março, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar apreciou a prorrogação do acordo de cooperação do Projeto Parto Adequado, uma união entre a ANS, Institute for Healthcare Improvement (IHI), Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein e o Ministério da Saúde, até 3 de abril de 2022. O objetivo é apoiar a implementação de ações baseadas em evidências científicas que reduzam o percentual de cesarianas em indicação clínica. “Não estamos demonizando a cesariana. Existem muitos casos em que elas salvam vidas. A cesariana é uma conquista científica, mas não ter este excesso. A escolha do modelo de parto é uma questão de saúde e deve estar condicionada ao que for mais adequado para cada caso e ao que for mais seguro para a mãe e o bebê”, ressalta a gerente de Atenção à Saúde da ANS, Karla Coelho.

Denise Niy,  integrante da Parto do Princípio, rede de mulheres usuárias do sistema de saúde brasileira, explica que o projeto Parto Adequado foi elaborado graças à ação do grupo. “O Parto Adequado foi uma resposta da ANS a uma denuncia que a ‘Parto do Princípio’ fez ao Ministério Público Federal, em 2006. Havia um abuso de cesarianas que colocou a necessidade de a ANS regular o setor. A denúncia se transformou numa ação civil pública. Em 2015, a ANS foi condenada e o juiz disse que teria de tomar uma série de providências, com medidas para redução das cesarianas”, afirma. Niy acrescenta que a Agência Nacional de Saúde Suplementar chegou a recorrer dessa decisão. Sobre sugestões para a redução desses números, ela lembra que existe uma série de evidências bastante robustas para que os profissionais envolvidos na área possam colaborar para a diminuição no número de cesarianas. Mesmo assim, os índices são altos.

Desde 2004, a ANS alega que tem promovido iniciativas para promover a saúde e assistência ao parto. Houve a criação de um indicador no Programa de Qualificação da Saúde Suplementar, com melhor pontuação para as operadoras com menor proporção de cesarianas. As ‘notas’ dos planos de saúde são publicadas no portal da ANS e apresentadas anualmente à imprensa. Outra ação é a inclusão, no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, da cobertura para parto acompanhado por enfermeira obstétrica e acompanhante – sem cobranças adicionais – durante o pré-parto, parto e pós-parto imediato. Além disso, há a habilitação de hospitais privados à iniciativa ‘Hospital Amigo da Criança’, que estimula as Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento, segundo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Dicas para gestantes se planejarem antes do parto

Seja por uma questão institucional ou de custo operacional ou por receio da própria gestante em parir, não há dúvidas de que as informações sobre parto natural e humanizado estão sendo mais divulgadas atualmente. Apesar disso, muitas mulheres ainda não têm acesso a conteúdos de qualidade.

“Particularmente gosto do parto normal, pois é um procedimento que médico e paciente estão participando juntos. A gente monitora o bebê e a mulher. É um momento que a mãe curte e dá para amamentar precocemente. O bebê passa pelo ‘estresse do trabalho de parto’ e esse estresse amadurece o pulmão. E tem o vínculo mãe e filho, que é muito maior no parto normal do que na cesárea. Além disso, dependendo da maternidade, o bebê não vai direto para a mãe”, enfatiza a ginecologista Regina Ares. Ela acredita que o bebê é que escolhe o tempo de nascer. A médica aconselha a gestante a se informar, através de canais de comunicação confiáveis. Também vale trocar experiências com grupos de doulas, outras gestantes e parteiras.

“Tem um monte de questões que valem a pena ser conversadas, discutir com as gestantes todas as possibilidades. Do ponto de vista de saúde pública, o parto normal é bom em todos os sentidos: um número baixo de complicações, internação breve, bebê tem muito mais resistência pulmonar depois que sai do útero”.

A médica também enfatiza que a relação de confiança entre médico e paciente é fundamental: “Para o parto normal ser incentivado, o médico tem que gostar de fazer parto normal e ter disponibilidade. Segundo, a paciente tem que estar bem informada. É preciso haver uma conversa franca e a paciente deve perguntar se o médico só faz cesárea ou se tem a chance de ter parto normal, senão, a paciente pode procurar um outro profissional”.

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