08.02.2024 Outras Patologias

Síndrome pós-covid: por que idosos podem ser mais afetados pela doença

Sequelas da covid impactam qualidade de vida de pessoas idosas e podem causar danos associados a outras doenças

Mais de dois anos após o início da imunização contra a covid-19, as preocupações quanto ao vírus estão mudando. Enquanto se investigam atualizações para as vacinas, com direito à chegada da bivalente ao Brasil, pesquisadores têm se voltado para os efeitos a longo prazo da infecção: a síndrome pós-covid ou covid longa

Justiça seja feita, ela desperta a atenção desde o primeiro ano da pandemia, mas novas descobertas deram fôlego para o debate. A condição afeta principalmente os sistemas pulmonar, nervoso e cardiovascular. Os sintomas podem ser um prolongamento do que foi sentido durante a infecção aguda ou surgirem somente após essa fase. Algumas pesquisas já sugerem que certos grupos estão mais propensos a desenvolver o quadro: mulheres, pessoas com comorbidades como asma e obesidade e idosos. 

“Alguns sintomas são prevalentes, como falta de ar e fadiga. Também há alterações na memória e na atenção e transtornos de humor”, ilustra o geriatra Marco Túlio Cintra, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). O médico explica que a principal preocupação quanto aos quadros de covid longa em pessoas idosas é a gravidade dos sintomas. 

“É preciso considerar que muitas pessoas idosas têm um nível de saúde mais frágil. Um sintoma de fadiga, por exemplo, causa um comprometimento grande nas atividades diárias”, pontua Cintra. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentou uma definição para a síndrome pós-covid em 2021. Estabeleceu a condição como um quadro que aparece, em geral, três meses após a infecção pelo vírus, e cujos sintomas costumam durar, no mínimo, dois meses. 

Riscos associados

Em dezembro de 2022, a revista científica Healthy Longevity, do periódico The Lancet, publicou um estudo de revisão analisando pesquisas recentes que tratavam da relação entre a síndrome pós-covid e o envelhecimento. De maneira geral, os resultados são variáveis e ainda incipientes.

Mas estudos britânicos sugerem que o risco de desenvolver covid longa aumenta em pessoas mais velhas. Segundo os especialistas, o quadro pode se associar a outras condições, como doenças cardiovasculares e neurodegenerativas ou declínio funcional, e intensificar sintomas de doenças pré-existentes ou disparar condições imperceptíveis até então. 

Um exemplo é a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), comum em idosos. Quem apresenta quadro já convive com a falta de ar, e a covid longa pode intensificar o sintoma e o impacto na qualidade de vida. 

Segundo a médica Maisa Kairalla, especialista em geriatria pela SBGG, as sequelas pós-infecção podem ainda levar a insuficiência renal, disfunção pancreática, distúrbios do sono e depressão. “O que vimos é que a covid acelerou o processo das doenças cognitivas”, resume Kairalla.

Em novembro, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) haviam investigado o mecanismo causador do brain fog – distúrbio de memória e confusão mental comum no pós-covid. Suas alterações se assemelhavam às encontradas em doenças neurodegenerativas.

Já na revisão publicada na revista Healthy Longevity, pesquisadores citaram estudos britânicos, suecos e americanos que mostraram um aumento associado à infecção com o vírus da covid-19 ao desenvolvimento de diversas doenças, como trombose venosa, embolismo pulmonar e sangramentos, diabetes e doenças cardiovasculares e respiratórias.

Para pessoas mais velhas, o grande problema é o impacto exacerbado que uma consequência da infecção pode acarretar. Um estudo alemão, publicado em 2021 na revista Plos One, avaliou 256 idosos infectados no início de 2020 e mostrou que mais de um quarto daqueles que precisaram de internação e eram previamente autossuficientes não conseguiram voltar para casa após a alta. Em 2022, na China, experts encontraram evidências de que o risco de declínio cognitivo havia aumentado para os infectados, considerando um grupo de mais de 1,4 mil pacientes um ano após a alta da hospitalização. 

Em geral, como no caso dessas pesquisas, os efeitos se baseiam em dados de 2020 e 2021: com a imunização e a mudança de cenário da pandemia, vale esperar novos resultados para entender a situação atual de risco para pós-covid.

O desafio do diagnóstico

Um desafio atual quanto à síndrome pós-covid em idosos é o diagnóstico. O declínio funcional, por exemplo, é mais comum com o avançar a idade. A capacidade de realizar algumas tarefas do dia a dia também se reduz. Como sintomas comuns a essa idade fazem também parte do rol de sequelas causadas pela infecção com o vírus, é possível confundir um quadro de covid longa.

Para a geriatra Maisa Kairalla, é preciso prestar atenção redobrada ao relato do paciente: “O que pode ser feito é coletar uma boa história clínica e tentar decifrar”. 

A falta de análises específicas, por enquanto, ainda representa uma dificuldade de avaliação dos reais impactos da síndrome pós-covid nesse grupo, o que prejudica o direcionamento de tratamentos. “Nós precisamos ter profissionais de saúde treinados para detectar esses sintomas. Pode acontecer das pessoas começarem a perambular de médico em médico, tentando uma solução para algo que ela sente e que não recebe um diagnóstico. É a pior das situações, porque se ela não recebe diagnóstico, pode começar a receber tratamentos inadequados”, alerta Cintra. 

Por enquanto, não há um tratamento específico para a síndrome pós-covid. A avaliação deve ser feita caso a caso, e diferentes regimes terapêuticos são indicados a partir dos sintomas prevalentes. 

Os estudos revelam que aqueles que tomaram menos doses do imunizante e tiveram um estado clínico mais grave da doença possuem maior risco de desenvolver a síndrome. “O melhor ‘tratamento’, como é para qualquer vírus, é a prevenção. Vacinar”, reitera Kairalla. 

Para quem já sofre com um quadro de pós-covid, os caminhos podem incluir fisioterapia, medicamentos e assistência psicológica. 

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