18.01.2023 Saúde Pública

Slow medicine: Uma retomada dos ideais da medicina e do cuidado com a saúde

Agendas lotadas levam médicos a encurtar o tempo dedicado à cada pessoa – uma correria que prejudica os dois lados na hora de definir o diagnóstico e tratamento para o problema. Em março de 2022, o Sindicato dos Médicos do Paraná denunciou a sobrecarga de profissionais que trabalhavam em unidades de saúde em Curitiba, no Paraná. Segundo eles, a fundação encarregada da saúde no município preconizava o agendamento de uma consulta a cada 15 minutos, tempo claramente insuficiente para um atendimento adequado. 

A rapidez nas consultas também afeta os pacientes de forma desigual. Uma pesquisa realizada em Manaus, no Amazonas, avaliou o tempo de espera e a duração das consultas e mostrou que pessoas não brancas (pretas, pardas, amarelas ou indígenas) em pior estado de saúde tiveram consultas mais rápidas, mesmo sendo usuárias de planos de saúde privados. 

movimento Slow Medicine – ou Medicina Sem Pressa – surgiu como resposta a esse cenário. Inspirada no Slow Food (que preconiza maior calma no preparo de refeições e na alimentação), ele surgiu em 2011, na Itália. Na ocasião foi formada a primeira sociedade dedicada a promover uma ideia que, na verdade, havia surgido quase uma década antes. O primeiro artigo sobre o assunto foi publicado em 2002 pelo cardiologista italiano Alberto Dolara, que defendia uma desaceleração na tomada de decisões clínicas. Dolara dizia que a “hiperatividade” é frequentemente desnecessária na prática clínica. 

“É importante entender que o Slow Medicine é um movimento, não uma especialidade. Seguimos princípios que podem ser exercidos em qualquer profissão”, explica a psicóloga Vera Bifulco, membro do movimento no Brasil. 

Entre os princípios, o principal, claro, é o respeito ao tempo. Em consultas breves, não é possível individualizar o cuidado dos pacientes – outro princípio do movimento. “É preciso estudar a história biológica da doença, mas também a do paciente”, argumenta. 

Para o movimento, “fazer mais nem sempre significa fazer melhor”. Nesse contexto, uma boa consulta vale muito mais do que uma batelada de exames pedidos de forma indiscriminada. Esses testes servem para complementar a avaliação do profissional, não substituí-la. Isso, aliás, cai em outro princípio do Slow Medicine: o uso racional da tecnologia. 

“Às vezes, o paciente quer todos os exames, mas é preciso explicar que isso talvez não seja bom para ele. Só podemos prescrever exames que respondam o que queremos saber”, explica Bifulco. 

Cabe destacar que testes em excesso podem provocar males, de desconforto à exposição à radiação, passando também pela angústia. Ou seja, o Slow Medicine também busca evitar a iatrogenia – os problemas de saúde causados pelo próprio tratamento. 

Há ainda outro movimento internacional que trilha um rumo similar. É o Choosing Wisely (“Escolhendo Sabiamente”, em português), iniciativa que já influenciou práticas da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. A iniciativa incentiva profissionais da saúde e a população a questionarem o uso excessivo de exames e intervenções. 

A ideia é que o paciente entenda as finalidades do procedimento para participar do processo de decisão junto do médico. O Choosing Wisely lista cinco perguntas que podem ser feitas antes de qualquer procedimento: 

O combate à pressa também é uma preocupação do Slow Medicine em relação aos tratamentos. A ideia é que as decisões sobre o que será feito após um diagnóstico sejam compartilhadas com o paciente, levando em conta seus valores, expectativas e preferências. 

Para os adeptos do Slow Medicine, é importante ainda valorizar hábitos que ajudem a controlar ou evitar enfermidades. “O movimento propõe uma vida mais saudável em todos os sentidos”, explica Bifulco. “A médio e longo prazo, se agregam mudanças significativas e duradouras que trazem benefícios não só relacionados àquela queixa em particular, mas à vida em geral”, completa. 

Slow Medicine não propõe uma renovação, mas uma aproximação ao “tratamento ideal”, que se dedica o tempo suficiente para cuidar o melhor possível das pessoas.

“Perdemos a humanização nos atendimentos na saúde. Precisamos recuperar o caráter humano: somos gente cuidando de gente”, arremata Bifulco. 

Mais calma também na saúde mental

Na psicologia, dois princípios do movimento têm grande relevância: a autonomia e o autocuidado. O Slow Medicine defende que o paciente expresse suas opiniões e que seu contexto social seja considerado ao longo do processo. Não se procura apenas resolver rapidamente uma queixa, mas entender o que está por trás dela.

Além disso, espera-se que, com o avançar da terapia, o indivíduo se torne cada vez mais autossuficiente para lidar com os desafios e as instabilidades da vida. Para isso, ele precisará aprender e treinar mecanismos de resiliência.  

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