

Artigo: A Importância Crucial da Atualização do PCDT da Doença de Alzheimer para a População Brasileira
O que está em debate: A Consulta Pública MS-SECTICS nº 81/24
A Consulta Pública MS-SECTICS nº 81/24, agora identificada como CP nº 51, é um marco fundamental para o tratamento da Doença de Alzheimer (DA) no Brasil. Ela busca aprimorar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da DA, com foco na incorporação de tecnologias que podem transformar a vida de milhares de pacientes.
Na 134ª Reunião Ordinária, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) decidiu, preliminarmente, não recomendar a incorporação da donepezila em associação com a memantina para o tratamento de Alzheimer grave. No entanto, houve uma recomendação favorável para a donepezila em monoterapia para esse mesmo grupo etário. A CDD, como associação dedicada à promoção de informação para doenças crônicas, acredita que este é um momento crucial para garantir que as melhores evidências científicas se traduzam em acesso e qualidade de vida para os pacientes e suas famílias.
Compreendendo a Doença de Alzheimer
A Doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência, uma condição neurodegenerativa caracterizada pelo comprometimento progressivo de diversas funções cognitivas, como memória, julgamento, linguagem e orientação, culminando em um declínio funcional significativo.
Globalmente, cerca de 50 milhões de pessoas vivem com demência, com uma incidência de aproximadamente 10 milhões de novos casos por ano. No Brasil, a DA responde por cerca de 60% dos casos de demência, com uma prevalência estimada de 8,5% entre a população com 60 anos ou mais em 2019, segundo o Ministério da Saúde.
A progressão da DA é um processo contínuo, dividindo-se em três estágios principais: pré-clínica, comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência (leve, moderada e grave). À medida que a doença avança, os sintomas tornam-se mais evidentes, comprometendo a capacidade do indivíduo de realizar atividades diárias. Alterações cerebrais como o acúmulo de peptídeo β-amiloide e a fosforilação anormal da proteína tau, além de uma resposta inflamatória crônica, são a base do declínio cognitivo. Fatores de risco incluem idade avançada e genética, mas fatores modificáveis como baixa escolaridade, hipertensão, diabetes, obesidade e sedentarismo também contribuem.
O que a atualização do PCDT da Doença de Alzheimer propõe
A proposta de atualização do PCDT da Doença de Alzheimer visa estabelecer critérios diagnósticos e terapêuticos mais claros e abrangentes, com o objetivo de reduzir a morbidade e mortalidade associadas à doença. Esta versão do PCDT inclui a incorporação da donepezila em monoterapia e em combinação livre com a memantina para o tratamento de pacientes com DA grave.
O protocolo atualizado detalha as abordagens terapêuticas, abrangendo tanto o tratamento medicamentoso quanto o não medicamentoso. Entre os medicamentos, são listados o bromidrato de galantamina, o cloridrato de donepezila, o cloridrato de memantina e a rivastigmina em suas diversas apresentações. O tratamento medicamentoso busca estabilizar o comprometimento cognitivo, o comportamento e a realização das atividades diárias, com foco na melhoria dos sintomas cognitivos e da função global. A donepezila, por exemplo, é reconhecida por sua validade em todos os estágios da doença.
Além disso, o PCDT reconhece a importância das abordagens não medicamentosas, como intervenções psicoeducacionais, Terapia de Estimulação Cognitiva (CST), cuidado dos cuidadores e cuidados paliativos, que são cruciais para o manejo dos sintomas psicológicos e comportamentais da demência. Contudo, é importante notar que a incorporação da memantina em solução oral ou comprimido orodispersível não foi recomendada devido ao elevado impacto orçamentário, um ponto de atenção para pacientes com disfagia.
A importância da atualização do PCDT para a população e a incorporação de medicamentos
A atualização do PCDT da Doença de Alzheimer e a incorporação de medicamentos como a donepezila representam um avanço vital para a saúde pública brasileira. A donepezila, sendo o único medicamento de sua classe indicado para todos os estágios da doença, pode ajudar a controlar sintomas como apatia e confusão, além de gerar economia para o SUS ao evitar hospitalizações frequentes e diminuir a sobrecarga financeira sobre pacientes e famílias, contribuindo para a sustentabilidade do sistema de saúde. Incorporar a donepezila alinha o Brasil às melhores práticas globais e garante que os pacientes recebam tratamentos avançados.
A questão vai além do acesso a medicamentos; trata-se de um passo crucial para melhorar a vida de milhares de pacientes com Alzheimer grave no Brasil, assegurando tratamento efetivo, econômico e humano. A Eli Lilly do Brasil, em sua carta aberta, enfatiza que mais de 80% dos casos de Alzheimer no Brasil permanecem sem diagnóstico, e a maioria é diagnosticada em estágios avançados, quando as opções de tratamento são mais limitadas. O diagnóstico precoce, auxiliado por biomarcadores, é fundamental para iniciar terapias medicamentosas e não medicamentosas, planejamento familiar e suporte psicossocial, preservando a função cognitiva por mais tempo.
Como destacado pela ABRAZ (Associação Brasileira de Alzheimer), a defesa de um cuidado mais completo e humano para as pessoas com demência se concentra em pontos essenciais que a atualização do PCDT deve fortalecer:
- Fortalecimento e inclusão de terapias não medicamentosas: Reconhecendo que o cuidado integral vai além dos fármacos.
- Cuidado verdadeiramente centrado na pessoa com Alzheimer: Adaptando as abordagens às necessidades individuais de cada paciente.
- Valorização e apoio irrestrito aos cuidadores familiares: essenciais para a qualidade de vida do paciente e a sustentabilidade do cuidado.
- Abordagem psicossocial integral: Com garantia de financiamento e implementação efetiva em todo o território nacional, assegurando que o apoio chegue a quem precisa.
Esses pilares, juntamente com a incorporação de tecnologias eficazes, são cruciais para um avanço real no manejo da doença.
O que dizem os especialistas
A voz dos especialistas é unânime sobre a necessidade de um cuidado integral e a importância de políticas públicas eficazes para a Doença de Alzheimer no Brasil.
ABRAZ (Associação Brasileira de Alzheimer) A ABRAZ defende um cuidado mais completo e humano, enfatizando o fortalecimento e a inclusão de terapias não medicamentosas, um cuidado verdadeiramente centrado na pessoa com Alzheimer, a valorização e o apoio irrestrito aos cuidadores familiares, e uma abordagem psicossocial integral com garantia de financiamento e implementação efetiva em todo o território nacional. A incorporação da donepezila para casos graves é vista como um passo importante, alinhado à busca por um tratamento que, mesmo não sendo uma cura, oferece um ganho significativo na qualidade de vida e no manejo da doença.
Dr. Fábio Porto (Neurologista Cognitivo e Presidente da ABRAz Regional São Paulo) O Dr. Fábio Porto traz uma perspectiva realista sobre os novos medicamentos antiamiloides, como o Donanemabe. Ele explica que essas drogas, embora representem um avanço, oferecem “benefícios modestos”, pois agem desacelerando a progressão da doença em cerca de 20% a 30% em um ano e meio. “Não estamos falando de melhora ou estabilização — estamos falando de piorar menos,” afirma. A indicação é para a doença de Alzheimer inicial (comprometimento cognitivo leve e demência leve), e não para estágios mais avançados ou indivíduos assintomáticos.
Academia Brasileira de Neurologia (ABN) – Consenso Brasileiro de Demências 2022 O Consenso Brasileiro de Demências, elaborado pela ABN, ressalta que o diagnóstico precoce é essencial para uma intervenção eficaz, pois permite aliviar sintomas, retardar a progressão e preservar a qualidade de vida. Alarmantemente, cerca de 800 mil pessoas no Brasil vivem com demência sem um diagnóstico formal, evidenciando uma alta subnotificação. A DA está entre as 10 principais causas de morte no Brasil (2019), e a maioria dos casos ocorre em países de baixa e média renda, onde o acesso ao diagnóstico especializado é limitado.
Para enfrentar esse desafio, a ABN recomenda:
- Capacitação da Atenção Primária: Treinamento de profissionais e uso de instrumentos padronizados de triagem cognitiva.
- Protocolos de rastreio sistemático: Avaliação cognitiva em check-ups de rotina e priorização de grupos de risco.
- Campanhas de conscientização pública: Para informar sobre os sinais precoces e combater o estigma.
- Integração com serviços especializados: Encaminhamento ágil e criação de fluxos regionais de avaliação.
- Monitoramento e vigilância epidemiológica: Incluir a demência em sistemas de informação e mapear as lacunas regionais.
O que dizem os familiares
A perspectiva dos familiares é um lembrete pungente da urgência e da dimensão humana por trás das estatísticas e políticas. Marcia Denardin, familiar de paciente, compartilha sua experiência:
“Meu pai teve Alzheimer. Acompanhar a perda da sua memória, da sua identidade e da nossa relação foi uma das experiências mais dolorosas da minha vida. Ver a pessoa que te criou olhar pra você sem saber quem você é, é como viver um luto em vida. Por isso, eu acredito profundamente que o acesso a medicações que possam retardar esse processo deve ser garantido pelo SUS. Ter acesso a tratamento é ter mais tempo de lucidez, mais tempo de presença, mais tempo de amor consciente entre os pacientes e suas famílias. A inclusão desses medicamentos no SUS é uma questão de dignidade, de cuidado e de humanidade.” |
Esse testemunho ressalta que o impacto da DA transcende o indivíduo, afetando profundamente todo o núcleo familiar e exigindo uma resposta de cuidado que privilegie a dignidade e a qualidade de vida.
O Posicionamento da CDD
A CDD – Crônicos do Dia a Dia – posiciona-se favoravelmente à atualização do PCDT da Doença de Alzheimer e à incorporação da donepezila para o tratamento da doença grave no SUS. Reconhecemos o potencial dessa medida para trazer benefícios significativos em termos de saúde pública e economia.
No entanto, nosso apoio é acompanhado de pontos de atenção essenciais, embasados nos posicionamentos dos especialistas e na realidade dos pacientes e familiares. É crucial que a atualização do PCDT não se restrinja à medicação, mas que também abrace e fortaleça as terapias não medicamentosas, promova um cuidado verdadeiramente centrado na pessoa, e garanta apoio irrestrito aos cuidadores. Além disso, a CDD enfatiza a necessidade de abordagens psicossociais integrais, com financiamento adequado e implementação efetiva em todo o território nacional, bem como a importância do diagnóstico precoce e da capacitação da atenção primária.
Acreditamos que, ao considerar esses “pontos de atenção”, o PCDT poderá oferecer um cuidado mais completo, humano e eficaz, garantindo que os avanços científicos realmente cheguem a todos os que precisam, transformando a piora da doença em mais tempo de qualidade de vida e presença para os pacientes e suas famílias.