23.05.2023 Demências

Como o exercício físico é um aliado na prevenção e no tratamento de demências

Inatividade física é fator de risco para desenvolvimento de demências, que podem ser prevenidas com mudanças no estilo de vida 

O Alzheimer é responsável pela maior parte dos casos de demências no Brasil – cerca de 70% dos diagnósticos. E é possível adiar seu aparecimento ou reduzir o risco de manifestá-lo. Em um estudo publicado na revista The Lancet em abril de 2022, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul demonstraram que mais da metade dos casos de demências no Brasil são atribuídos a fatores que, potencialmente, podem ser prevenidos. 

As condições mais associadas à ocorrência foram perda auditiva, hipertensão e… a inatividade física. O sedentarismo esteve ligado a cerca de 11% dos casos. 

“Estima-se que um a cada 10 casos de demências no Brasil sejam atribuídos à inatividade física”, explica o pesquisador Natan Feter, doutor em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Resultados de estudos internacionais corroboram os achados brasileiros. Uma pesquisa de 2022 da revista Neurology baseada no banco de dados Biobank, onde constam as informações de mais de 500 mil pessoas, associou a diminuição nos riscos de demência às atividades físicas regulares. Segundo o trabalho, quem pratica esportes ou exercícios mais intensos exibe uma probabilidade 28% menor de ser diagnosticado com a doença. E o benefício também vale para quem realiza atividades mais leves, como a limpeza da casa.

E não só para prevenir a demência. A ONU afirma que o sedentarismo é o quarto maior fator de risco para mortalidade. Pessoas nessa situação correm um risco de 20% a 30% maior de morte em comparação a quem se movimenta durante, pelo menos, 30 minutos diários.

No Brasil, segundo dados da OMS, 40% das mulheres e 53% dos homens adultos são inativos. Fatores socioeconômicos influenciam o acesso a exercícios físicos estruturados no país.

Com a projeção de crescimento dos casos de demências nas próximas décadas, especialistas alertam para a necessidade de conscientizar a população sobre a importância do movimento. Investir em campanhas, em políticas públicas e urbanismo é o primeiro passo. 

Muitos centros urbanos, por exemplo, não contam com espaços para lazer e esporte ou mesmo calçadas adequadas. “Fornecer informações é importante, mas também precisamos fornecer as ferramentas necessárias para a população ser ativa fisicamente”, aponta o doutor em gerontologia Daniel Vicentini, especialista pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). 

As consequências da atividade física para a saúde pública já podem ser medidas em alguns países. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, a incidência de casos de demências está decrescendo, e a razão atribuída pelos pesquisadores é o aumento da conscientização e as melhorias no manejo de doenças cardiovasculares e seus fatores de risco. 

“Quando o sistema cardiovascular é eficiente e funcional, o fluxo sanguíneo melhora e entrega mais sangue, com mais nutrientes, para o cérebro. Um cérebro bem nutrido representa um risco menor para desordens neurológicas como a demência e a depressão”, ilustra Vicentini. “A vantagem da atividade física é que ela atua sobre todo o corpo– e é por isso que acredito que nunca vamos conseguir desenvolver um medicamento que mimetize os seus efeitos”, destaca Feter. 

Efeitos no cérebro

Diferentes estudos mostram que as atividades físicas promovem benesses no cérebro. Em 2012, pesquisadores estadunidenses descobriram um hormônio chamado irisina, que é liberado durante os treinos e está relacionado à prevenção de demências.

O hormônio é um tipo de miocina, substâncias produzidas e liberadas a partir da contração muscular durante a realização de exercícios físicos. A partir de testes com camundongos, um grupo de pesquisadores do Brasil, do Canadá e dos Estados Unidos considerou o hormônio um mediador da ação neuroprotetora dos exercícios. No cérebro, a irisina foi relacionada à proteção contra danos causados pelo Alzheimer, que afetam as funções de memória e a neuroplasticidade. 

Na prática

A recomendação oficial da OMS para adultos é de, no mínimo, 150 minutos de atividades físicas de intensidade moderada por semana.  

Embora exercícios moderados ou intensos pareçam trazer maiores benefícios, toda atividade é bem-vinda. “Antes se pensava que as atividades aeróbicas eram as que mais conseguiam melhorar a função cognitiva, mas hoje vemos que exercícios de força também são importantes. O simples ato de contração muscular é capaz de liberar substâncias na corrente sanguínea que induzem a liberação de fatores neurogênicos no cérebro”, resume Feter. 

E outra boa notícia: não há idade limite para começar. “Nunca é tarde, seja para prevenção, seja para auxiliar no tratamento. É sempre importante se manter ativo”, alerta Feter. 

Para quem já vive com demência, o exercício físico desempenha um papel de melhora na qualidade de vida e no bem-estar. A prática não impede o avanço da doença, mas pode atenuar os impactos dos sintomas – tanto no indivíduo quanto em seus familiares e cuidadores.  “Os melhores resultados na literatura científica para pessoas com demência são os exercícios multicomponentes. Ou seja, os que combinam exercícios aeróbicos, de força, de equilíbrio, de coordenação e agilidade”, explica Daniel Vicentini, da SBGG. 

Mas atenção: o que mais importa é buscar uma atividade que se encaixe na rotina e que seja prazeroso. 

Outra estratégia utilizada por fisioterapeutas e educadores físicos é um tipo de exercício chamado de “dupla tarefa”. A prática consiste na realização de uma atividade primária e outra secundária, para ajudar na melhora da mobilidade e da funcionalidade cognitiva. Por exemplo: a pessoa é incentivada a fazer relatos do cotidiano ou a lembrar de nomes de objetos enquanto caminha. 

A diminuição da agressividade, a melhoria na qualidade do sono e do apetite e o aumento dos níveis de bem-estar e autoestima são fatores que melhoram com treinos físicos regulares.

Com o avançar do quadro, indivíduos com demência podem começar a apresentar alterações motoras e dificuldades para caminhar e fazer atividades cotidianas. Nesse contexto, o papel das atividades físicas é mais focado em manter a movimentação e a autonomia. 

“Devemos estimular o idoso a fazer quaisquer atividades físicas: vale regar as plantas, cuidar do jardim e ajudar a limpar a casa. É bom evitar ficar mais de 2 horas na mesma posição”, diz Vicentini. Se necessário, fisioterapeutas e educadores físicos podem ajudar com gestos e realizar alongamentos, entre outras coisas.

A atuação do fisioterapeuta pode ser necessária especialmente se o quadro clínico envolve pneumonia, alterações cardiovasculares ou um histórico de fraturas por queda. É possível buscar esse tipo de cuidado por meio do SUS da região. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) podem oferecer grupos de apoio e disponibilizar fisioterapeutas que atendem na unidade ou no domicílio

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