14.12.2023 Outras Patologias

Covid: estudo brasileiro ajuda a entender como infecção afeta o cérebro

Por CDD

Ainda no primeiro ano de pandemia, cientistas brasileiros foram pioneiros em identificar um efeito da covid-19 no cérebro. Queixas de dor de cabeça, alterações na memória, ansiedade, depressão e sonolência perduravam após o fim do ciclo viral e foram incluídos entre os sintomas da chamada “covid longa”, que engloba também sequelas respiratórias e musculares.

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com Laboratório Nacional de Biociências, do Instituto D’Or e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificaram que o vírus infectava as células de tecidos cerebrais e divulgaram resultados preliminares ainda em outubro de 2020. Agora, uma pesquisa mais atual do grupo brasileiro, publicada em outubro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), revela mais detalhes dos mecanismos envolvidos na infecção. É o maior estudo brasileiro sobre os impactos da covid-19 no cérebro, e um dos maiores do mundo. 

Já em 2020, uma célula ganhou destaque: os astrócitos. São elas as mais afetadas, como mostra o artigo mais recente. “Todo mundo conhece os neurônios, essenciais para que o sistema nervoso controle todo o corpo. Mas são os astrócitos que mantêm o funcionamento normal dos neurônios e de outras células”, explica Flávio Veras, um dos co-autores do artigo e pesquisador do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias da USP.

Os astrócitos funcionam como células de suporte, que processam os nutrientes e fornecem energia para o cérebro. “Eles são o coração metabólico do cérebro”, compara Veras. 

Alterações nos astrócitos podem levar à morte de neurônios e estão ligadas ao surgimento de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Também causam sintomas como ansiedade, depressão e síndrome do pânico. Já na primeira fase dos experimentos mencionados, por exemplo, foi possível perceber que a covid provocava uma redução do volume do cérebro. “Uma vez que perde massa em regiões que controlam a parte cognitiva, o paciente pode ter perdas de memória repentina, problemas de fala, esquecimento”, explica Veras. 

A segunda fase da pesquisa foi desenvolvida em três etapas. Primeiro, os cientistas avaliaram exames de imagem do cérebro de 81 pacientes infectados pela covid. Depois, analisaram amostras do cérebro de 26 pacientes que morreram em decorrência da infecção. Por último, realizaram testes com os astrócitos, replicando a entrada do vírus nessas células. 

A partir da análise dos tecidos cerebrais, os pesquisadores identificaram inflamação em cinco daquelas 26 amostras. A presença do coronavírus foi detectada em 37% das células dos tecidos examinados – sendo que a maioria (66%) eram astrócitos. 

Um dos principais achados foi a descoberta da presença de que o vírus utiliza o receptor NRP1 para invadir as células do cérebro. “O principal receptor envolvido com a covid é o ACE2, que está presente no pulmão. Mas verificamos as células do cérebro e lá não havia esse receptor. Identificamos esta outra proteína (NPR1) de forma expressiva”, ressalta Veras. 

A descoberta pode levar a tratamentos que inibem a expressão do receptor NRP1 e, com isso, dificultem a infecção no cérebro. “Quando bloqueamos a NRP1 com drogas em estudos no laboratório, conseguimos prevenir os danos observados”, descreve o cientista

Para desenvolver esse tipo de remédio, no entanto, resta confirmar se os efeitos neuropsiquiátricos são desencadeados pela inflamação geral provocada pela covid-19 ou se o vírus realmente se infiltra no cérebro. “A diferença é, que se for uma questão da inflamação, vamos nos preocupar em tratar esse quadro para amenizar o todo. Se for mais restrito ao cérebro, vamos ter de propor tratamentos que bloqueiem essa entrada do vírus no cérebro”, explica.

A covid longa

“Embora as novas variantes matem menos pessoas, elas são mais infecciosas e podem causar danos a longo prazo”, alerta Veras. 

Ainda não se sabe quanto tempo um quadro de covid longa pode durar – ou ainda se seus impactos de longo prazo poderão ser considerados uma nova doença. Mas uma preocupação é a de que novas variantes tragam danos neurológicos extensos. 

“Quem teve a doença mais leve foi quem mais manifestou sintomas de ansiedade e depressão. Acredito, e os estudos sugerem isso, que as novas mutações provocam uma doença mais leve, mas que pode repercutir no cérebro”, conclui.

Compartilhe

Leia Também