Exposição revela invisibilidade experimentada por mulheres com deficiência e convida participantes a desconstruir o capacitismo; confira
Mostra, criada pela pesquisadora da UFMG Fatine Oliveira, convida participantes a desconstruir o capacitismo
Muito longe de reforçar discursos de superação, a mostra ‘Corpos Sem Filtro – Narrativas Visuais de Mulheres com Deficiência‘, em cartaz até o dia 3 de setembro no Memorial Vale, em Belo Horizonte, Minas Gerais, faz um convite à reflexão sobre o impacto das violências sofridas por essa população. E, mais do que isso, estimula a representatividade, de acordo com a criadora da exposição, a publicitária Fatine Oliveira, que é pesquisadora da UFMG: “Algumas mulheres com deficiência estavam na abertura e muitas me disseram como se sentiram representadas. E isso é muito importante para mim porque todo o meu ‘mover ativista’ é sempre pensando nessa representação para além de mim”.
Fatine também é mestre em Comunicação Social, professora da PUC, integrante do Coletivo Feminista Helen Keller e do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI). Além de ter atrofia muscular, ela é uma mulher com deficiência.
A exposição foi construída com base na pesquisa de mestrado desenvolvida e defendida em julho de 2021. O trabalho articulado pela pesquisadora foi estimulado pela invisibilidade experimentada por mulheres com deficiências físicas e/ou raras que usam a plataforma Instagram para abordar o cotidiano que as envolve por meio de registros fotográficos dos corpos.
Na mostra, os visitantes poderão observar diversas hashtags convidando as pessoas a saberem mais sobre as condições dessas mulheres, desconstruindo o capacitismo. As imagens revelam como os diversos afetos atravessam as vidas das mulheres com deficiência que escolheram se apresentar nas plataformas digitais.
Para entender mais sobre esse trabalho, a reportagem da CDD entrevistou Fatine Oliveira. Confira:
Como surgiu a ideia para a exposição?
A ideia da exposição veio a partir de um edital do Memorial Minas Gerais Vale. Eles têm um projeto chamado ‘Novos Pesquisadores’ e tem a finalidade de dar visibilidade a novos pesquisadores que tenham algum novo estudo que se encaixe dentro dos eixos já presentes no museu. Então, minha orientadora me enviou o edital, vi que havia um espaço para falar sobre mulheres com deficiência. Aí, fiz o projeto e enviei para eles. E a minha pesquisa foi selecionada.
De que maneira a sua vivência ajudou a construir a narrativa?
Minha vivência está presente não apenas na exposição, mas na minha pesquisa de mestrado. Sou uma mulher com deficiência, tenho distrofia muscular, e todo o meu trabalho e pesquisa foi desenvolvido a partir da minha história. Sou formada em Publicidade, mestre em Comunicação Social, mas, por muitos anos, trabalhei com criação e direção de arte. Nesse trabalho, sempre tive contato com propagandas, imagens e dali já observava que não havia representações de mulheres com deficiência, tanto em bancos de imagens quanto até mesmo em outras propagandas. A partir dessas inquietações que o trabalho me trouxe até aqui. Fui à universidade problematizar isso e pude pensar nessa experiência de ser mulher com deficiência a partir da teoria.
Como a mostra pode ajudar ainda mais a divulgação científica?
Como é um projeto feito pelo educativo do memorial focado em pesquisadores, contribui para a divulgação científica a partir do momento que visibiliza nossos trabalhos com outra perspectiva. Quando a gente pensa em divulgação científica, é aquela ideia ‘quadrada’, de artigo de revista científica… sempre o pesquisador falando de um lugar de distanciamento. E a mostra vem com uma perspectiva e abordagem muito mais humanizadas e próximas, em que o público pode interagir com as peças e compreender o que foi pesquisado de uma forma mais simples. Acredito que um dos maiores desafios é tornar a linguagem acadêmica mais próxima, sem perder a qualidade do que foi estudado.
Quais foram as impressões e trocas que você teve na exposição? Quais falas de pessoas com deficiência que estiveram presentes chamaram mais atenção?
A abertura da exposição foi ótima! Todo mundo gostou e fiquei muito feliz! Tive contato com amigos que estiveram presentes, algumas mulheres com deficiência estavam lá e muitas delas me disseram como se sentiram representadas. Isso é muito importante para mim porque todo o meu ‘mover ativista’ é sempre pensando nessa representação para além de mim. Não é nada sobre mim. É também sobre elas e toda essa história que nos envolve, tudo o que nos atravessa de marcadores sociais de raça, classe social, sexualidade. Vê-las sentindo parte delas foi muito importante para mim, sabe? Só por isso já me sinto bem realizada com a exposição.
Você acredita que a arte pode ajudar a diminuir ou esclarecer a população em geral sobre o capacitismo?
Acredito demais que a arte tem esse poder de trazer uma outra forma de ver o mundo e vai além: compreender o impacto das violências que, no caso, é o capacitismo. Porque é um confronto quando você absorve a arte e ela te toca melhor, principalmente quando ela incomoda. Na exposição, falei sobre capacitismo, contei sobre a história de pessoas com deficiência, dessas representações na fotografia e isso vai demonstrando um lugar que muitas vezes as pessoas desconhecem.
Falo para meus alunos que muitas vezes o preconceito é uma falta de conhecimento – o capacitismo principalmente. É uma falta de conhecimento porque as pessoas não convivem com quem tem deficiência. Sou de uma época em que era muito difícil ver pessoas com deficiência na rua, pois ficavam isoladas. Hoje já é diferente, a gente já tem mais pessoas se expondo, mas a sociedade não foi preparada. As redes sociais auxiliaram muito isso. Na mostra, coloquei hashtags para que a mostra não fique só ali, mas que conquiste a internet. Assim, os visitantes podem seguir outros caminhos e aprender mais sobre capacitismo e se tornarem uma pessoa melhor, anticapacitistas.
Qual tipo de mensagem você gostaria que os visitantes levassem para casa ao participar da mostra?
Gostaria muito que as pessoas tivessem um outro olhar sobre a vivência com deficiência. Que elas enxergassem os corpos femininos com deficiência de outra forma, porque nós somos isoladas, invisibilizadas de movimentos sociais e isso, esse ‘apartamento’ das mulheres com deficiência na sociedade, contribui para outras violências como o sexismo, o machismo e violência de gênero que também recaem sobre as mulheres com deficiência. As pessoas precisam se abrir para o estranhamento de um corpo diferente e receber isso de uma forma positiva. Seria algo que gostaria que acontecesse: que as pessoas com deficiência sejam respeitadas.
Serviço:
‘Corpos Sem Filtro – Narrativas Visuais de Mulheres com Deficiência’
Quando: de 17 de junho a 3 de setembro
Onde: Memorial Vale
Endereço: Praça da Liberdade, 640, esquina com Rua Gonçalves Dias – Belo Horizonte – Minas Gerais
Entrada gratuita
Horário de funcionamento:
- Terça, quarta, sexta e sábado, das 10h às 17h30, com permanência até às 18h
- Quinta, das 10h às 21h30, com permanência até às 22h
- Domingo, das 10h às 15h30, com permanência até às 16h