05.04.2023 Outras Patologias

‘Qualquer situação de gordofobia nas relações de consumo pode ser denunciada’, afirma advogado do Idec

Por CDD

‘Qualquer situação de gordofobia nas relações de consumo pode ser denunciada’, afirma advogado do Idec

Influencer brasileira foi proibida de embarcar em voo devido ao seu peso; entenda caso de gordofobia

A influenciadora Juliana Nehme levou um susto durante uma viagem do Líbano para o Brasil em dezembro de 2022. Isso porque ela comprou uma passagem pela Qatar Airways e foi impedida de embarcar na classe econômica por ser gorda. O depoimento dela no Instagram viralizou nas redes sociais. “Comprei uma passagem de volta para o Brasil pela Qatar e, chegando na hora de fazer o check-in, uma aeromoça chamou minha mãe, dizendo pra ela que eu não era bem vinda para embarcar porque sou gorda. Eles não iam me receber no vôo, só se eu comprasse passagem de primeira classe”, escreveu Juliana.

De acordo com a influenciadora, a funcionária da companhia aérea também reteve as passagens da mãe, da irmã e do sobrinho. “Fui extremamente humilhada na frente de todas as pessoas que estavam no aeroporto! Tudo isso porque sou gorda! Que vergonha uma empresa como a Qatar permitir esse tipo de discriminação”, concluiu.

Em nota enviada ao programa ‘Fantástico’, da TV Globo, na época, a Qatar alegou que “trata todos os passageiros com respeito e dignidade. Que qualquer pessoa que impossibilite o espaço de um outro passageiro – e não consiga prender o cinto de segurança ou abaixar os apoios de braço – pode ser solicitada a comprar um assento adicional, tanto como uma precaução de segurança quanto para o conforto de todos os passageiros. E que a passageira foi realocada em um voo da Qatar Airways”.

A Agência Nacional de Aviação Civil tem uma resolução voltada às pessoas com “necessidades de assistência especial” para quem tem “mobilidade reduzida”. Porém, a Anac não prevê nada específico para passageiros gordos. Essa discussão gerou um debate em torno de como o Código de Defesa do Consumidor pode auxiliar as vítimas nesses contextos. O Instituto de Defesa do Consumidor argumenta que, embora a gordofobia não seja contemplada no Código Penal e nem de forma direta no CDC, o fornecedor é proibido de negar um serviço, por qualquer tipo de discriminação.

A reportagem da Crônicos do Dia a Dia entrevistou o advogado do Idec David Douglas Guedes para falar mais sobre o tema e dar dicas aos leitores. Confira:

No fim de 2022, uma influencer brasileira foi proibida de embarcar em um voo devido ao seu peso. A empresa pode fazer esse tipo de proibição?

D: A conduta da empresa é completamente ilegal, por ser discriminatória. Estabelecer uma limitação ou uma proibição, em relação ao uso de um produto ou serviço, apenas com base em características físicas de alguém, sem nenhuma justificativa técnica, e ainda de maneira constrangedora e humilhante, não é uma prática aceitável do ponto de vista legal e em alguns casos pode ser considerado crime.

A Política Nacional de Relações de Consumo prevê o atendimento às necessidades dos consumidores?

D: Sim. As relações de consumo devem obedecer a princípios básicos como a boa-fé, a transparência e o respeito mútuo entre as partes (consumidor e fornecedor). Qualquer violação de Direitos ou contra a dignidade da pessoa consumidora receberá proteção do Estado, que deve agir nos termos da Lei para punir atos ilegais, discriminatórios ou criminosos.

O Idec recebe reclamações de consumidores que foram desrespeitados por causa do peso?

D: Sim. Infelizmente, o Idec sempre se deparou com relatos sobre situações de discriminação, a partir de situações relatadas por seus associados e consumidores no geral. Não apenas de situações envolvendo pessoas gordas ou obesas, mas também sobre situações de preconceito e violação de direitos de consumidores com deficiência, LGBTQIAP+, idosos, negros, entre outros grupos marginalizados.

O papel do Idec é orientar os consumidores acerca de seus Direitos e cobrar das empresas e das autoridades públicas, a criação e o respeito absoluto às regras de inclusão, igualdade e acessibilidade em toda e qualquer relação de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor protege as pessoas dessas situações gordofóbicas? Se não, poderia haver alguma alteração nesse sentido?

D: O CDC é uma lei um pouco genérica, cuja finalidade é o estabelecimento de regras e princípios gerais para toda e qualquer relação de consumo. Essa Lei tem como base principiológica a própria Constituição Federal de 1988, que protege as relações de consumo e também estabelece parâmetros para todo o ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição, por sua vez, é bem clara ao proibir qualquer atitude discriminatória e que afronte a dignidade da pessoa humana, em todas as relações sociais e jurídicas que possam existir no país, inclusive as de consumo.

Ainda não temos Leis próprias que deem tratamento específico para o combate à discriminação contra pessoas gordas. O que há, em alguns casos, é a equiparação desses indivíduos com os de outros grupos marginalizados, a fim de lhes garantir alguma proteção. Hoje, por exemplo, há entendimento consolidado sobre a aplicação do estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) no tocante aos desafios e às garantias às pessoas obesas com dificuldade de locomoção.

Assim, uma legislação voltada para a proteção de direitos desse grupo vai ao encontro dos princípios que norteiam nosso ordenamento jurídico, especialmente se puder garantir cuidados específicos e uma visibilidade maior a esse grupo, e deve, sim, ser objeto de cobrança aos nossos legisladores.

O que você diria para os leitores sobre os direitos do consumidor e a obesidade, no sentido de dar mais informações sobre isso?

D: Importante pontuar que qualquer situação de discriminação contra uma pessoa pelo seu peso nas relações de consumo das quais ela participe pode e deve ser denunciadas aos órgãos de proteção ao consumidor (Idec, Ministério Público, Defensoria Pública, Procon, Senacon, Agencias Regulatórias) e, se não resolvidas no âmbito desses órgãos, pode ser levada ao Judiciário, inclusive no que se refere a reparação por eventuais danos morais deflagrados por situações de constrangimento público, humilhação e outros tipos de violência.

Ademais, situações de difamação, injúria e que lesem a integridade física, moral ou mesmo patrimonial da pessoa gorda devem ser objeto de denúncia à Polícia ou ao Ministério Público para investigação e eventual responsabilização criminal de quem praticou o ato com dolo ou culpa.

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