O que é a desprescrição de medicamentos e como ela pode ajudar na qualidade de vida de idosos
O que é a desprescrição de medicamentos e como ela pode ajudar na qualidade de vida de idosos
Revisão dos medicamentos prescritos se torna vital para evitar que efeitos adversos ganhem dos benefícios em um tratamento de saúde.
Fernanda Simoneto, da Redação AME/CDD
O conceito de desprescrição de medicamentos vem se tornando cada vez mais comum na medicina. O processo consiste na reavaliação dos remédios tomados pelo paciente – em geral, idosos — para verificar se é o caso de retirar ou reduzir certas doses.
O objetivo da prática, que deve ser conduzida e acompanhada por um médico, é diminuir efeitos adversos, evitar a administração de medicações repetidas e aumentar a qualidade de vida. Ela parte da ideia que os medicamentos devem sempre trazer mais benefícios do que malefícios – e reavaliações são necessárias para analisar se essa equação se inverteu em algum momento.
A prescrição inadequada de remédios pode ser responsável por internações, quedas, perda de apetite, falta de mobilidade e confusão mental. Uma pesquisa realizada na Universidade Estadual Paulista que analisou as internações em um hospital universitário de Rio Preto durante quatro meses revelou que 46,4% dos pacientes procuraram o sistema por reação adversa a medicamentos – mulheres e pessoas abaixo de 60 anos eram a maioria. Em relação aos idosos, 29,2% foram internados por reações adversas ao uso inadequado de medicamentos.
É importante destacar que certos efeitos colaterais são esperados – a presença deles, portanto, não é sinônimo de prescrição inadequada. Entretanto, a reavaliação dos fármacos tomados de tempos em tempos serve justamente para potencializar benefícios e minimizar danos.
“A técnica é um cuidado centrado no paciente, que demanda um profundo conhecimento dos protocolos e um ajuste para aquela situação de saúde”, explica o geriatra Marco Túlio Cintra, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. O tema será debatido no 23º Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, que ocorre entre 23 e 25 de março, em São Paulo.
Em geral, a maioria dos idosos que passam pela desprescrição são aqueles com condições de saúde mais frágil, dificuldades de locomoção ou dependência de cuidadores. “É o idoso que está caindo muito, sentindo tontura, ficando confuso com frequência, perdendo peso sem motivo aparente. São situações em que um ajuste terapêutico melhora a vida da pessoa”, diz Cintra.
A prescrição correta de fármacos inclui a análise de diferentes critérios, tanto explícitos quanto implícitos, explica Cintra. O primeiro consiste na análise dos Critérios de Beers, lista de medicamentos que não devem ser administrados para idosos. Anticolinérgicos (usados em casos de obstrução de vias aéreas) e antidepressivos tricíclicos, por exemplo, devem ser evitados nos cuidados geriátricos, salvo alguma exceção. O segundo critério, de caráter individualizado, leva em conta o histórico da pessoa, seu estado de saúde e suas metas de tratamento.
“A prescrição adequada de fármacos está ligada ao tempo despendido para ouvir, compreender e construir um raciocínio clínico que, junto aos exames, vão definir a hipótese diagnóstica”, detalha.
Uma das causas para a prescrição inadequada é subestimar as reações adversas. “O que geralmente acontece é que, quando a pessoa diz que está com algum sintoma, ao invés de pensar na possibilidade de determinado medicamento estar causando aquilo, prescreve-se outro”, alerta o médico. Segundo ele, quando o indivíduo relata um sintoma novo, na verdade o profissional de saúde deveria começar pela possibilidade de ele decorrer de um fármaco.
Cintra divide o processo em quatro etapas. A primeira é o conhecimento do quadro clínico e do histórico de saúde do idoso por parte do médico. Depois, o profissional deve tomar conhecimento de todos os remédios ingeridos, o que inclui terapias alternativas ou automedicação.
A partir disso, avalia-se o que é adequado para a condição de saúde daquele idoso. Por último, profissional de saúde e paciente devem pactuar as metas de tratamento – etapa que, em geral, ocorre em conjunto com a família – e definir as prioridades de cuidado, sempre em linguagem clara. “Quanto mais frágil a pessoa, mais importante é a presença de um familiar”, afirma Cintra.
O processo de desprescrição não deve ser confundido com uma tentativa constante para abandonar tratamentos. “A intenção é melhorar os efeitos adversos e as reações colaterais, mas sem causar descompensações nas doenças que já existem”, explica.
Rever os fármacos prescritos para um paciente pode auxiliar no tratamento de doenças crônicas. “Quando realizamos uma avaliação muito detalhada de uma prescrição, nós podemos encontrar um medicamento que esteja atrapalhando o outro. Com isso, faço um ajuste que proporciona melhora nas condições crônicas”, explica.
A avaliação correta pode reduzir o risco de polifarmácia, caracterizada pelo uso de mais de cinco fármacos. “A polifarmácia não é necessariamente uma vilã, ela pode ser necessária. Mas devemos perguntar se ela foi de fato pensada”, destaca Cintra.
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