Transtorno de Compulsão Alimentar é uma forma inadequada de resposta ao estresse
Em entrevista para CDD, especialista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas afirma que transtorno de compulsão alimentar atinge até 3% da população
O ato de se alimentar tem uma função básica entre os seres humanos: proporcionar nutrientes, vitaminas e muitas substâncias que mantêm esse organismo vivo. O comer também tem uma função social. Se você puxar uma lembrança de infância, muito provavelmente irá se recordar do almoço de domingo na casa da vovó, com aquela macarronada, ou das festinhas com muita bala de coco, brigadeiros e refrigerantes.
Ao mesmo tempo, acompanhamos uma mudança comportamental na alimentação na nossa rotina. Os almoços em família ao redor da mesa foram dando espaço para o comer assistindo televisão ou com o celular na mira. No trabalho, alguns acabam fazendo um lanchinho em frente ao computador, de forma automática, sem ao menos ter a noção do sabor dos ingredientes.
O homem moderno, diante da pressão social e emocional que vive, também encontra, no ato de comer, uma ‘válvula de escape’. O chamado Transtorno de Compulsão Alimentar é caracterizado por episódios de descontrole diante do alimento, sem sentir uma satisfação com isso, na análise do psiquiatra Eduardo Aratangy, do Programa de Transtornos Alimentares do IPq – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo: “Da mesma forma que um dependente químico que queria usar uma dose pequena não consegue interromper o uso, assim age o paciente com esse transtorno. São episódios recorrentes de compulsão alimentar, comendo muito e rápido, com perda de controle, sem o uso de métodos compensatórios, como atividade física em excesso ou uso de métodos purgativos para evitar o ganho de peso. Esse quadro traz muita angústia para o indivíduo, que costuma ganhar peso e sentir vergonha em relação ao próprio padrão alimentar”.
Para que a pessoa se enquadre nesse diagnóstico, os episódios precisam acontecer pelo menos duas vezes por semana nos últimos três meses. Na edição deste ano do reality show Big Brother Brasil, da TV Globo, a modelo Yasmin Brunet admitiu que estava descontando o estresse dentro do programa na comida: “Eu estou completamente descompensada na alimentação. Já tive questões alimentares e estou depositando absolutamente tudo na comida. Pensei que poderia ser assim, mas não achei que seria tão intenso como está sendo. É muito doido, quem tem questões alimentares vai entender isso, você se sente muito cheio e vazio ao mesmo tempo”, declarou.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 4,7% da população brasileira têm algum tipo de compulsão alimentar. Ambientes tóxicos ou de confinamento, como o ‘BBB’, podem servir como gatilho emocional e agravar o comportamento. Para saber com detalhes os sinais, sintomas e tipo de tratamento, nós entrevistamos, por telefone, o psiquiatra Eduardo Aratangy, do Programa Transtornos Alimentares do IPq – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Confira:
O que é o Transtorno de Compulsão Alimentar?
Dos transtornos alimentares, o Transtorno de Compulsão Alimentar é o mais comum, até 3% da população sofre com isso. Entre pacientes com obesidade, essa taxa sobe para mais de 40%. Entre aqueles que realizam cirurgia bariátrica, passa de 50%. O que caracteriza o diagnóstico são episódios de descontrole alimentar em que o indivíduo come muito, com a perda de controle, e sem sentir satisfação ao fazer aquilo. Então, é realmente uma compulsão, não é um excesso que a pessoa está gostando de comer, sabe? Da mesma forma que um dependente químico que queria usar uma dose pequena e não consegue interromper esse uso.
Vale destacar que são episódios recorrentes de compulsão alimentar, comendo muito e rápido, com perda de controle, sem o uso de métodos compensatórios, que é o que aconteceria, por exemplo na Bulimia, em que o indivíduo vai fazer uma atividade física intensa ou usar métodos purgativos para evitar o ganho de peso. Esse quadro traz muita angústia para a pessoa, costuma acarretar ganho de peso e vergonha em relação ao próprio padrão alimentar. Para que a gente configure o diagnóstico, esses episódios precisam acontecer pelo menos duas vezes por semana nos últimos 3 meses.
Quais podem ser as origens desse transtorno?
Normalmente começa na adolescência. É muito comum que famílias congreguem pessoas com esse tipo de comportamento alimentar, tanto por questões genéticas, mas também pelo aprendizado. Em muitos pacientes se estipula a existência do comer emocional, do gatilho emocional, então, a alimentação compulsiva como uma forma inadequada em resposta ao estresse.
O ‘comer emocional’ está vinculado ao Transtorno de Compulsão Alimentar?
Muitas pessoas vão falar de ‘alimentos de conforto’ e isso é bem comum. A pessoa está ansiosa, tensa, triste… come um chocolate, um doce favorito, um prato gostoso. Isso faz bem, até porque a alimentação é muito vinculada à afetividade desde que nós somos recém-nascidos – o leite materno é nosso primeiro alimento. A questão é que, quando esse vínculo entre o estresse e a comida se torna determinante, a comida se torna uma adição, pode se tornar um vício, um escape que acaba sendo lesivo. E, nesse sentido, a pessoa vai abrindo mão de outras atividades prazerosas em nome da comida, mas com vergonha e angústia diante desse comportamento.
Um ambiente tóxico e a pressão por uma beleza estética podem agravar o quadro clínico?
A pressão social por beleza e o corpo esguio é um dos elementos na gênese dos Transtornos Alimentares. A gente sabe que todos os transtornos mentais são multifatoriais. Existem fatores biológicos como a genética, por exemplo, uma tendência à obsessividade, um exagero com o corpo, e isso está na raiz desses problemas. Mas, além disso, existem as questões do desenvolvimento psicológico.
Então, como foi a autoestima no desenvolvimento dessa criança? Como foi a pressão que ela sofreu em casa, na escola ou nos ambientes que ela frequentou para ter um corpo magro, para não aceitar um corpo que fosse diferente desse modelo? E, por fim, existe a questão social, claro. Especialmente com as mídias sociais, há uma pressão pelo corpo perfeito, pela juventude eterna…existe uma pressão por um modelo que é muito restrito do que é beleza, saúde e perfeição. Quando a gente junta esses três elementos que são bio-psico-social, a pressão social em ambientes confinados, em ambientes muito exigentes, expostos na mídia, claro que isso leva a questões, a piora da auto exigência, a piora da cobrança pelo corpo magro.
E a gente pode somar isso a algumas profissões que são de alto risco para os transtornos alimentares, especialmente aquelas que levam para a magreza patológica como a Anorexia: bailarinas, ginastas, atletas de diversas modalidades, modelos, atrizes e profissionais de saúde. Então, se a gente pega variáveis desse contexto que falei, é óbvio que a chance de um transtorno alimentar aparecer ou voltar aumenta muito.
Transtorno de Compulsão Alimentar tem tratamento?
Justamente por ter uma origem multidimensional, o tratamento requer abordagens em múltiplas especialidades: precisa de uma equipe mínima de psiquiatra, psicoterapeuta e nutricionista. Dependendo do quadro, principalmente em adolescentes, é preciso um terapeuta familiar, porque a gênese desses transtornos está na família. Frequentemente a gente vai ter que envolver outros profissionais: o educador físico, fisioterapeuta, clínico ou nutrólogo para as questões das alterações biológicas dos pacientes.
Como é o tratamento na prática?
O tratamento se dá pela reeducação alimentar, nunca pela dieta. Dietas falham, vão acabar piorando o quadro. Uma reeducação alimentar com uma dessensibilização, retomar um equilíbrio fisiológico. Na parte psicológica, é investigar as origens, detectar as crenças que estão alteradas e os comportamentos que estão disfuncionais e assim refazer esse caminho psicológico. E, na parte psiquiátrica, além do diagnóstico, tratamento farmacológico, quando for o caso, e investigação das consequências clínicas, já que os transtornos alimentares são os transtornos psiquiátricos com mais repercussão clínica e, no caso da anorexia, o de maior mortalidade.
No caso dos transtornos alimentares, o que costuma ter são alterações metabólicas, ligadas à obesidade, síndrome metabólica, hipertensão, dislipidemia, colesterol, triglicérides, diabetes, problemas articulares, refluxo, apneia do sono… e aí o psiquiatra precisa encaminhar o paciente para tratamentos em outras áreas também.