06.04.2023 Outras Patologias

Doenças raras na terceira idade

Por CDD

Doenças raras na terceira idade

Pela alta taxa de mortalidade associada a essas condições, pessoas da terceira idade ainda são poucas. Mas os avanços recentes começam a mudar essa realidade

Por Fernanda Simoneto, da Redação AME/CDD 

A fenilcetonúria é uma doença rara que se inicia na infância. Ela é causada pela ausência de um tipo de enzima, o que gera danos irreversíveis ao sistema nervoso central. Hoje, graças aos avanços no diagnóstico, ela pode ser identificada já no teste do pezinho (feito em todos os recém-nascidos brasileiros) e, com isso, ser tratada precocemente. Mas nem sempre foi assim.

A falta de um diagnóstico da fenilcetonúria provocou deficiência intelectual em centenas de pessoas e rareou os casos de pessoas com a enfermidade que alcançaram a terceira idade. “Aqui Hospital de Clínicas de Porto Alegre [HCPA], capital do estado, onde funciona um dos centros de referência em genética no Brasil, tenho cerca de 120 pacientes com fenilcetonúria, mas apenas dois têm mais de 70 anos”, conta Ida Schwartz, chefe do Serviço de Genética Médica do HCPA.

Por que temos tão poucos idosos com doenças raras? “Um dos motivos é que, no passado, os médicos não consideravam a possibilidade de uma doença rara”, explica Ida Schwartz. Outro era a falta de tratamentos, o que vêm mudando consideravelmente. 

Apesar de 85% das doenças raras surgirem na infância, existem casos em que os primeiros sintomas aparecem na vida adulta. É o caso da Doença de Huntington, em que os pacientes só desenvolvem os sintomas entre os 35 e 40 anos. Caracterizada pela degeneração das áreas cerebrais responsáveis pela suavização e coordenação dos movimentos, ela é degenerativa e provoca espasmos musculares. 

A doença de Machado-Joseph, que causa a perda dos movimentos e do equilíbrio, também costuma surgir na vida adulta. O avanço da pesquisa em genética permitiu que os estudiosos percebessem uma relação da síndrome com regiões colonizadas por imigrantes portugueses da Ilha dos Açores. O conhecimento do genoma humano é parte essencial do aumento na expectativa de vida dos raros.  

O cotidiano de idosos com doenças raras

O envolvimento da família nos cuidados é um fator de preocupação. “A primeira coisa a se pensar quando lidamos com idosos com doenças raras é olhar para o cuidador. Quem apoia esse idoso? A família tem que ser muito estruturada”, pontua Schwartz. 

A médica explica que a maioria dos raros com mais de 60 anos possuem melhor nível socioeconômico, além de terem acesso a cuidadores, o que contribui para o aumento na expectativa de vida.

A escassez de pesquisas clínicas sobre as doenças raras em faixas etárias mais elevadas também traz desafios para os médicos. “Se olharmos o exemplo da Europa, onde o teste do pezinho começou antes, já há muito mais pacientes adultos com doenças raras. Uma das preocupações que existe é a transição entre especialistas. O pediatra tem uma abordagem diferente do clínico geral. Então quando esse paciente cresce, como é feita a transição para o acompanhamento com outro médico?”, explica. “No Brasil, existe um sistema organizado para o atendimento pediátrico, mas é difícil achar um clínico geral especialista em doenças raras”. 

Odisseia em busca de uma causa

Alcançar o diagnóstico de uma doença rara no Brasil é desafiador. O país conta com apenas 18 centros de referência públicos para o tratamento desse grupo de condições, espalhados em 12 estados. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a fila para o diagnóstico é de cerca de 2,5 mil pacientes. Até chegarem a essa etapa, a maioria dos raros enfrenta a “odisseia diagnóstica”. As famílias encaram dezenas de consultas médicas, exames clínicos e uma longa fila de espera.

Ida Schwartz explica que uma das partes centrais do tratamento dos doentes é o aconselhamento genético, processo que envolve a compreensão do diagnóstico por parte da família, os riscos envolvidos e as formas de evitar novos casos. 

Quanto ao tratamento, o acesso é complicado, até porque não se resume a medicações e procedimentos. O acompanhamento de fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas, por exemplo, muitas vezes são essenciais para o manejo dos sintomas e até para a sobrevivência desses indivíduos. 

A médica chama a atenção para a ausência de dados sobre as doenças raras no país: “Falta no Brasil um sistema de Censo de Raras. Quais são as doenças raras mais prevalentes no país? É difícil responder isso com certeza no momento”. 

Até 2014, o Brasil não possuía uma legislação específica destinada às doenças raras. Com a aprovação da portaria 199, foi instituída uma Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, que aprovou diretrizes para a atenção integral pelo SUS e designou incentivos financeiros de custeio para a política. Foi também neste mesmo ano que todos os estados brasileiros se tornaram aptos a realizar o teste do pezinho em 100% dos nascimentos – o exame passou a integrar o SUS 12 anos antes. 

A portaria também aprovou a criação de Centros de Referência para o Tratamento de Doenças Raras no país. “É importante que os governos se sensibilizem para que essas doenças também sejam prioridades no sistema de saúde público”, reforça a especialista.  

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