17.11.2025

A Resolução CFM nº 2.314/2022 e a Lei Federal nº 14.510/2022: quando a regulação ameaça a autonomia e o acesso à saúde

Por CDD

A publicação da Resolução CFM nº 2.314/2022 trouxe importantes avanços no reconhecimento da telessaúde como prática médica, mas também estabeleceu uma limitação controversa: a obrigatoriedade de consultas presenciais a cada 180 dias para pacientes com doenças crônicas.

O Art. 6º, § 2º dessa norma determina que “o acompanhamento do paciente deverá incluir, obrigatoriamente, pelo menos uma consulta presencial a cada 180 (cento e oitenta) dias”.
Na prática, essa exigência impõe uma restrição genérica e desproporcional, desconsiderando a autonomia dos profissionais de saúde e a diversidade clínica dos pacientes crônicos.

Mais grave ainda, ela colide diretamente com a Lei Federal nº 14.510/2022, que regulamenta a telessaúde em todo o território nacional e estabelece a autonomia do profissional de saúde como princípio norteador.

Hierarquia normativa e ilegalidade da exigência

No sistema jurídico brasileiro, uma resolução de conselho profissional tem caráter infralegal, ou seja, deve obedecer aos limites fixados pela lei.
Quando uma norma de menor hierarquia impõe obrigações que extrapolam ou contradizem o texto legal, ela incorre em ilegalidade e abuso de poder regulamentar.

A Lei nº 14.510/2022, aprovada pelo Congresso Nacional, não estabelece prazos obrigatórios entre consultas nem condiciona a validade do acompanhamento remoto a uma frequência presencial fixa.
Pelo contrário: ela determina que o exercício da telessaúde deve respeitar os mesmos princípios éticos e técnicos da prática presencial, cabendo ao profissional avaliar a necessidade de visitas presenciais conforme o caso.

Ao impor um intervalo rígido e genérico, a Resolução nº 2.314/2022 restringe direitos já assegurados por lei e usurpa a liberdade técnica do profissional, violando o princípio da autonomia médica e multiprofissional, previsto tanto na lei quanto no Código de Ética Médica.

Impactos práticos e constitucionais

A exigência de uma consulta presencial a cada 180 dias tem efeitos concretos sobre a vida de milhões de brasileiros que dependem da telessaúde para garantir a continuidade de seus cuidados.
Pacientes em regiões remotas, em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou com mobilidade reduzida passam a enfrentar barreiras adicionais — deslocamentos longos, custos elevados e interrupções desnecessárias no acompanhamento clínico.

Essas consequências configuram violação ao princípio constitucional da equidade e da universalidade do SUS, que assegura a todos o acesso aos serviços de saúde “em todos os níveis de complexidade”.

Ao limitar o acesso com base em um critério arbitrário e sem respaldo técnico, a resolução fere o direito fundamental à saúde e contraria o próprio propósito da telessaúde: ampliar o acesso e reduzir desigualdades.

O papel da sociedade civil e das instituições de saúde

A defesa da legalidade e da autonomia profissional é também uma defesa da ética e da equidade.
É papel das associações da sociedade civil, como a CDD, chamar atenção para o conflito normativo existente e mobilizar a revisão do Art. 6º, § 2º, da Resolução nº 2.314/2022.

A campanha “180 Dias NÃO!” surge como resposta a essa incongruência, reunindo pacientes, profissionais e entidades em um movimento nacional pela revogação da exigência e o respeito à Lei Federal nº 14.510/2022.

Conclusão

A segurança jurídica, a ética médica e o direito à saúde caminham juntos.
Garantir a autonomia do profissional de saúde é também garantir o melhor cuidado para o paciente.

O Brasil não pode retroceder em um tema que representa inclusão, inovação e equidade.
É hora de corrigir o rumo da regulamentação e assegurar que a telessaúde siga sendo um instrumento legítimo, seguro e sem barreiras para todos.

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