Cuidadores informais: maiores proporções de familiares que cuidam de idosos estão no Nordeste e Norte
Em três anos, o número de brasileiros que viraram cuidadores saltou de 3,7 para 5,1 milhões
O Dia Nacional do Cuidador Informal é 5 de novembro, mas a reflexão sobre esse papel, seus impactos sociais, econômicos e emocionais vale para o ano todo. Uma pesquisa realizada pelo IBGE, em 2019, revelou que o número de brasileiros que viraram cuidadores de seus parentes idosos saltou de 3,7 milhões em 2016 para 5,1 milhões três anos depois.
Os dados fazem parte do suplemento Outras Formas de Trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C 2019), que levantou dados sobre cuidados de pessoas (crianças, idosos, enfermos ou pessoas com necessidades especiais), afazeres domésticos, produção para o próprio consumo e trabalho voluntário.
O levantamento também aponta que o porcentual de pessoas que cuidam de idosos no total de pessoas que exercem cuidados é maior em estados do Nordeste, como Rio Grande do Norte (15,2%), Maranhão (12,3%) e Ceará. Outros destaques no Sudeste e Sul são os Estados do Rio de Janeiro (12,3%) e do Rio Grande do Sul (10,7%), que concentram as maiores proporções de idosos na população.
A pesquisa do IBGE pode fazer o retrato de uma parte da população, mas e os casos subnotificados? Em São Paulo, Maria do Carmo Rodrigues de Campos exerce o papel de cuidadora da mãe que, aos 95 anos, foi diagnosticada com demência em 2022. Um ano antes, o marido dela, que tem 74 anos, também começou a apresentar sintomas de demência, em grau médio. “Percebo que sempre existiu o papel de cuidadora em mim, pois sempre cuidei de todas tarefas da casa, mas agora que a doença avançou sinto uma carga maior”, desabafa Carminha.
Aos 68 anos de idade, ela reflete sobre a atual relação com a mãe. “Sinto, às vezes, que eu sou a ‘mãe’ dela, pois desde o banho, trocar, alimentar, enfim, tudo é como sendo uma criança que precisa de todo cuidado e orientação. A preocupação para que não sofra quedas, estar sempre atenta. À noite é pior, pois nem sempre tem um sono tranquilo, aí aumentam os cuidados. É comum ela ter delírios, alucinações, muitas vezes torna-se difícil acalmá-la”, conta.
Sobre os cuidados com o marido, Maria do Carmo observa que tem sido cada vez mais difícil para ele executar as coisas do cotidiano mesmo. “O que era comum antes agora ele tem muita dificuldade para fazer. Precisa ser lembrado de todas as tarefas: tomar banho, remédios, vestimenta, já não consegue usar um celular, um controle de televisão. Ao mesmo tempo, passa o dia cuidando de plantas e gosta muito de passear com o cachorro”, relata.
Quando começou a entender que seria cuidadora do marido e da mãe dela, Carminha ainda conseguia sair e deixá-los sozinhos por algumas horas. Dona Angelina ficava entretida com bordados e caça-palavras; ele com as plantas. Porém, agora, ambos precisam de atenção constante. “Sinto uma carga muito pesada. Aí no dia a dia existem muitas oscilações em saber como será o futuro quando eles estiverem com um grau mais grave da doença, sabe? Chega a ser assustador olhar para frente sem ter uma resposta”, confessa.
Atualmente, Maria do Carmo não consegue fazer nada para ela, das coisas básicas como autocuidado até a própria vida social. “Às vezes surge algum convite de um passeio ou uma viagem, mas nem sempre posso ir pois necessito de ter alguém que fique em meu lugar. Tenho uma prima, a Regina, que está sempre me socorrendo na maioria das vezes”, acrescenta.
Sobre saúde mental e emocional, ela desabafa: “Me sinto prisioneira aqui dentro de casa, só tendo tarefas sem ter liberdade até para ir a um mercado. O que gostaria seria poder sair, voltar quando tivesse vontade e necessidade sem me preocupar”, conclui.
O abandono do cuidador informal
Não há políticas públicas no Brasil que pensem de maneira mais humana e efetiva em relação aos cuidados com quem cuida de seus familiares, seja por uma doença, condição ou idade.
Muitos dos sintomas descritos por Maria do Carmo nesta reportagem são sentidos por inúmeras pessoas que não têm opções de contratarem um cuidador profissional, por exemplo.
A Síndrome de Burnout foi descrita pela primeira vez em 1974. O médico Herbert Freudenberger descreveu a doença no contexto de trabalho como um “estado de esgotamento mental e físico causado pela vida profissional”.
Apesar disso, em sua informalidade, o cuidador se vê desamparado e, por vezes, pode se sentir culpado por não conseguir ter o mínimo de privacidade enquanto realiza as inúmeras tarefas, igualmente exaustivas.
Desde 2020, a Associação Crônicos do Dia a Dia trabalha com o projeto ‘Acolher e Transformar’, cujo objetivo é conscientizar sobre a importância de cuidar de quem cuida, por meio de aulas com especialistas e dicas de autocuidado.
Biblioterapia de desenvolvimento como forma de autocuidado
Além da psicoterapia, que sem dúvida pode ajudar a dar conta das questões emocionais dos cuidadores, outra prática ainda pouco conhecida é a biblioterapia. Para falar mais sobre o assunto, nós entrevistamos a bibliotecária Édina Maria Calegaro, que já participou de uma das edições do programa ‘Acolher e Transformar’. Confira:
O que é a biblioterapia de desenvolvimento?
Édina: A Biblioterapia pode ser entendida como um processo de interação dinâmica entre a personalidade do leitor e a literatura, de caráter psicológico e que contribui para o desenvolvimento do ser humano (SHRODES, 1949) ou ainda como nos diz Caldin (2010, p. 188) constitui-se como o cuidado com o desenvolvimento do ser mediante a leitura, narração ou dramatização de histórias. É a arte de utilizar as metáforas para deixar aflorar, para vivenciar e organizar as emoções, auxiliando os participantes a se expressar e falar sobre os sentimentos vivenciados a partir das metáforas.
Poderia nos dar algum exemplo de como ela é utilizada na prática?
Édina: Na prática, a Biblioterapia consiste na criação e organização de um grupo, que se reúne regularmente, coordenado por um biblioterapeuta, que realiza a leitura de textos literários previamente escolhidos pelo biblioterapeuta. Este conduz a reflexão dos presentes, abrindo espaço para que cada um verbalize as suas emoções, experiências e opiniões sobre o tema em discussão no texto. Esse diálogo pode ser norteado por questões, perguntas e pontos escolhidos pelo biblioterapeuta.
A biblioterapia pode ser utilizada inclusive com pacientes que têm demências, como o Alzheimer?
Édina: Sim, pode, porque a Biblioterapia é o momento do encontro onde se vai dialogar sobre a vida e seus sentidos, seus significados. Os textos literários, por serem uma manifestação artística, resgatam os fios condutores, os mapas, as bússolas, os sextantes e agora também as senhas criptografadas, que nos conectam novamente com a nossa jornada. Essa conexão nos permite acessar os arquivos confidenciais sobre nós mesmos. Com eles podemos retornar à nossa jornada, com aliados e recursos mais adequados. Então, quanto mais histórias, mais aliados, recursos e uma jornada mais divertida.
De que maneira a leitura pode ajudar a saúde mental dos cuidadores, seja de idosos, pessoas com deficiência e outros?
Édina: A Biblioterapia poderá auxiliar na reflexão, na organização do pensamento e das emoções e na reconstrução de conceitos e paradigmas que nortearam novas formas de viver em equilíbrio. O aplicador de biblioterapia é um ator social de extrema importância nesse contexto, pois tem preparo adequado para enfrentar as crises emocionais/psicológicas que estamos vivendo nos tempos atuais e ajudar as pessoas a reencontrar a serenidade, a lucidez e a tranquilidade para resolver os entraves com maturidade e justiça social.