Espera na fila por transplante pode afetar saúde mental
Incerteza, medo e expectativa podem comprometer qualidade de vida de quem espera um transplante
Existem 66.250 pessoas no Brasil na fila de espera para transplante de órgãos. Os dados são do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde. Em 2023, quase 16 mil procedimentos foram realizados em todo País. De 1 de janeiro a 27 de agosto, 72 dos 264 pacientes que realizaram a cirurgia foram atendidos no intervalo de um mês.
A psicóloga Teresa Vera de Sousa Gouveia fazia exames anualmente com o mesmo oftalmologista. Recentemente, decidiu passar em consulta com outra médica, que indicou a necessidade de fazer uma cirurgia de catarata. “Ela solicitou exames detalhados e foi esclarecido que eu precisaria consultar um especialista em córnea. Ele me disse que não poderia realizar a cirurgia sem um transplante. Assim que saí do consultório, precisei de algum tempo para “digerir” a informação, mas o que pensei imediatamente foi “preciso ser doadora””, afirma.
Teresa foi encaminhada para um especialista em transplante, que foi muito acolhedor. “Ele me passou medicamentos até que eu fosse atendida diante da fila de espera, que é de aproximadamente um ano. A conduta me tranquilizou por ter me assegurado que “daria tudo certo” com o tempo de espera e com o transplante. Mostrou-se muito calmo durante os atendimentos”, lembra.
O Brasil é o segundo país que mais faz transplantes no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Apesar disso, temos uma longa fila de espera para alguns órgãos específicos, como rim. Do ponto de vista psicológico, essa espera pode ser angustiante, na análise da psicóloga, que é especialista sobre luto. “Seu cotidiano é afetado, o tempo que você dedica para o tratamento compromete outras esferas da sua vida. Os sentimentos diante da espera se misturam: esperança, medo, decepção e frustração. Tem a expectativa do próprio paciente e dos familiares, além do receio da incompatibilidade. Essa mistura de sensações gera angústia”, analisa.
Esse contexto pode ser ainda mais desafiador para aqueles que sofrem com Transtornos de Ansiedade e Depressão, já que angústia, medo e desesperança fazem parte do cotidiano para eles. “A depressão ou transtornos de ansiedade podem ser gatilhos para agravar a angústia, uma vez que os recursos psicológicos são fatores importantes para qualquer espera que gere ansiedade, justamente por não controlarmos”, enfatiza Teresa Vera de Sousa Gouveia.
Ela é uma das organizadoras do livro ‘Quando a Morte Chega em Casa’, publicação que reúne 13 textos que revelam como o luto também transforma. E a fila de espera por um transplante pode despertar anseios sobre a finitude da vida. “Essa situação é ameaçadora, apesar de toda a cautela e cuidado da equipe médica, porque sentimos medo diante do que não controlamos. Essa é uma resposta, inclusive, esperada e que deve ser ‘autorizada’. Daí a importância do paciente passar por atendimento psicológico como forma de buscar recursos para seguir, apesar do medo, mas com esperança”, diz.
O fortalecimento emocional do paciente e da família são necessários, pois todos são afetados. “Penso ser um fator importante a questão da espiritualidade, encontrar um propósito para o sofrimento. Acreditar num sentido para o que vivemos nos faz viver cada dia de uma outra maneira, aproveitando o que é possível e agradecendo”, conclui Teresa.