Falta de referência dificulta ‘paternidade ativa’, mas homens buscam a construção de vínculo com filhos
Não seguir o padrão familiar e romper com o que até pouco tempo atrás era considerado o lugar apenas de provedor é uma tarefa desafiadora no mundo masculino. Assim como para a mulher o papel de mãe nunca foi muito questionado, a paternidade sempre teve esse aspecto: o indivíduo trabalha fora, traz o dinheiro para casa e dá bronca nos filhos quando precisa. Nada de trocar fralda, dar mamadeira ou colocar para dormir, certo?
Porém, há um bom tempo, alguns homens não aceitam esse papel atribuído à eles e começam um movimento de participação mais ativa e divisão de tarefas com a companheira. Foi assim na casa de Thiago Queiroz, criador do portal ‘Paizinho, vírgula’. “Os primeiros meses de vida do meu primeiro filho foram muito confusos porque eu estava tentando entender como eu ia ajudar nesse processo enquanto pai. Não tinha referências na época e, há sete anos, as discussões sobre paternidade eram praticamente nulas e o que se via sobre paternidade era só piada e crônicas, coisas assim”, lembra.
Thiago é pai de três filhos – Dante, Gael e Maya e conta que foi muito difícil conseguir encontrar o lugar de pai que queria exercer. “Eu não tinha referência porque não tinha um pai dessa forma, mas que eu queria ser, então foram meses difíceis de tentar entender o que está acontecendo e o que eu deveria fazer com meu filho. Foi nesse processo que descobri que poderia trabalhar muito ativamente na forma como eu iria criar vínculos com meu filho. Então, não poderia dar peito, mas poderia dar colo, poderia ninar, trocar, poderia fazer todo o resto e isso foi muito libertador”, lembra.
O historiador Jaime Fernando dos Santos Júnior, conhecido como Jota, já tinha recebido o diagnóstico de esclerose múltipla primária progressiva quando soube que seria pai pela primeira vez. Atualmente, ele usa cadeira de rodas, as duas pernas e o braço esquerdo não funcionam voluntariamente e o braço direito não tem muita força para segurar objetos. “Sempre achei que ser pai era um processo. Parece que você casa e o próximo passo é ter filhos. Talvez pela minha condição, não era tão claro isso, mas como a Bruna (esposa) sempre quis também ser mãe, se juntou nessa vontade de ter um filho e foi bem legal pensar essa gravidez, o surgimento do Francisco antes mesmo de nascer”, lembra.
O maior receio de Jota era saber se iria dar conta de segurar o filho: “Eu tinha muito medo. Durante a gravidez eu pensava: ‘Será que eu vou conseguir pegar o Francisco? Será que vou conseguir ser um bom pai?’. E a Bruna sempre me apoiou. Na maternidade, quando iam fazer os exames, colocaram Francisco no meu colo e nem pensei duas vezes, assim. E a Bruna conta que a primeira coisa que ela viu foi eu entrando com o Francisco no colo na sala de parto. Ela tinha acabado de fazer o parto, então, foi uma cena emocionante”.
Em 2018, Jota fala que tomava conta de Francisco de segunda e quarta-feira, quando não estava na escola, para Bruna poder trabalhar. No ano seguinte, quando Jota teve de ficar algumas vezes internado, pai e filho ficaram mais distantes. Agora, com a pandemia do novo coronavírus, os dois passam muito mais tempo juntos. “E, agora em 2020, estou mais nessa fase de dar atenção, de estar presente quando ele precisa. Na quarentena, Francisco acorda comigo, antes de dormir, às vezes me procura, se estou deitado, fico brincando com ele, então, parece que cada vez mais essa coisa fica mais intensa”, conta.
Para o psicoterapeuta Luiz Cuschnir, que trabalha há mais de quarenta anos com a questão da masculinidade, nas últimas décadas, o homem saiu do lugar estabilizado nos deveres econômicos perante a família. “Ele não mantém o lugar do que vai mandar, exigir, cobrar, muito menos bater. Aquela frase: ‘Deixa o teu pai chegar!’ não tem efeito, pelo menos como era. Hoje, se ele quiser e conseguir, participa desde os primeiros momentos onde se dizia que só a mãe importava. Muitos acompanham a gravidez sonhando juntos com o filho que virá. Quando vem, entendem tanto como a mãe do sufoco do choro e das trocas de fraldas. Não dão o peito para amamentar, mas logo ocupam o de dar a mamadeira. E assim se dá toda a sequência para as outras etapas que foram construídas para desenvolver a relação de amor entre os dois”, analisa.
Thiago Queiroz afirma que faz de tudo para dividir as tarefas com a esposa. “Tento trilhar meu caminho assim, em estar nesse lugar de um pai que cuida e não um pai que ajuda. Entre estar no lugar do que cria junto e não apenas um provedor, então, essa mudança pra mim foi uma verdadeira mudança no paradigma da referência de pai do meu próprio pai que não era essa pessoa emocionalmente presente, que não se interessava em criar vínculos afetivos. Não acho que é uma questão de eu ser melhor do que meu pai foi, porque isso é o que ele foi, o que ele é. Mas vejo que esse é meu caminho, a minha história como pai”, conclui.
A ausência de referência paterna pode atrapalhar muitos homens nos dias atuais. Porém, outros fatores contribuem para o não engajamento masculino no cuidar dos filhos. “As rusgas que aparecem para expor a incapacidade do pai podem sim ser descritivas de um homem que não toma para si todas as responsabilidades que deveria. Seja por estarem totalmente desatualizados do mundo que vivemos, seja por uma lacuna no seu desenvolvimento afetivo, que os tornam apegados a etapas anteriores de sua vida, mantendo uma visão imatura na vida. Usam às vezes o poder econômico na casa para se esquivar da paternidade, mas que no fundo tem a ver com a impossibilidade de terem um vínculo afetivo pleno”, acrescenta Luiz Cuschnir.
O psiquiatra lembra também que muitas esposas afastam os maridos das tarefas de criação, os desmerecendo: “E quanto mais ela perpetua essa desvalorização dele para com o filho, mais ela o confirma no filho disfarçado de pai. Assim ele não aprenderá mesmo, se acomodará no incapaz e se afastará dos cuidados, sem querer entrar em debate com essa mãe sobre a sua proposta e experiência que poderia ter com o filho que também é dele”.
Como criar vínculos importantes com seu filho?
A pedido da nossa reportagem, Luiz Cuschnir, psiquiatra e psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, fez uma lista de dicas para os pais. Confira:
– Não economizar no amor que tem para o seu filho: Não é nos presentes e liberalidades para com ele, mas na expressão mais profunda do amor, com o respeito pelas necessidades dele, totalmente atrelado com a execução de limites com aprendizado e proteção. Estarão dando a segurança que este filho necessita para se tornar um adulto.
– Cuidado com a confusão da paternidade com a amizade ‘modernoza’, onde não se atém com as diversas fases de desenvolvimento e compõem uma aliança simétrica sem o devido lastro que o filho precisaria ter antes disso.
– Lembrar-se sempre das incongruências dos adultos: não pregar nada diferente do que vive, pois o que falam para os outros está sendo observado e aprendido pelos filhos.
– Por último e sempre: aproveitem esse amor com os seus filhos!