23.01.2023 Saúde Pública

O que esperar do novo ministério da saúde, sob gestão de Nísia trindade

A cientista e pesquisadora Nísia Trindade Lima, de 64 anos, se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de ministra da Saúde. Em seus primeiros dias, anunciou que sua gestão será pautada pelo diálogo com a comunidade científica. 

Para reforçar a nova postura, como primeiro ato ela anunciou a revogação de portarias e notas técnicas da gestão de Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga que “ofendem a ciência, os direitos humanos, os direitos sexuais reprodutivos no marco legal brasileiro e que reduziram diversas posições do Ministério da Saúde em uma agenda conservadora e negacionista da ciência”. 

No que tange às doenças crônicas, Nísia disse que as redes temáticas de atenção à saúde serão fortalecidas. Isso significa ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento para pessoas com condições crônicas ou raras. 

Primeira mulher a se tornar presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2017, Nísia Trindade é mestre em Ciência Política e doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). A indicação de seu nome para a pasta foi celebrada por entidades do setor e movimentos sociais. Para Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (o CNS é um órgão colegiado permanente do Sistema Único de Saúde), ter Nísia Trindade ocupando o cargo “renova a esperança do povo brasileiro no fortalecimento do SUS”. 

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) também saudou a nova ministra: “O Ministério da Saúde sob liderança de Nísia Trindade é vitória do SUS. Nísia Trindade reúne atributos técnicos, políticos e sociais para ocupar com louvor o cargo de autoridade sanitária brasileira”, completou a entidade.

A escolha de Nísia também foi bem recebida internacionalmente. Em uma mensagem no Twitter, Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), escreveu: “Conto que trabalharemos juntos nos próximos anos para avançarmos na saúde para todos!” A representante da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Socorro Gross, elogiou a trajetória da nova ministra e reafirmou o desejo de continuidade das parcerias entre os órgãos da saúde. 

“A medida mais importante de Nísia é registrar que o Ministério da Saúde não é uma instância administrativa burocrática, mas o grande comandante do sistema nacional de saúde, o que é uma tarefa complexa. No último governo, tudo foi feito de forma isolada, sem diálogo com estados e municípios”, avalia Dário Pasche, professor do departamento de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da comissão coordenadora de Política, Planejamento e Gestão da ABRASCO.

A nova ministra foi parabenizada ainda por entidades com representação no CNS, como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais (Conasems), além da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e outras organizações. 

A nova estrutura do Ministério da Saúde

Além da revogação de portarias das gestões anteriores, Nísia anunciou a criação do Departamento de Imunização, da Secretaria de Informação e Saúde Digital, do Departamento de Saúde Mental e o enfrentamento do uso abusivo de álcool e outras drogas. Também será retomado o Departamento de Vigilância de IST/Aids e Hepatites Virais. 

“Serão tempos difíceis de reconstrução, mas também de necessária inovação, sempre com o mote do direito à saúde de qualidade para todos. Este trabalho só será possível com um grande esforço nacional envolvendo Estado e sociedade civil”, disse, na posse em 2 de janeiro, em Brasília. 

Ela também falou sobre a necessidade de estabelecer um diálogo cooperativo com o setor privado, com o objetivo de diminuir filas e represamento de exames, cirurgias e procedimentos.

Confira as principais medidas e políticas anunciadas durante a primeira semana de gestão a seguir.

Vacinação ampliada e autonomia nacional

Durante sua gestão na Fiocruz, Nísia Trindade liderou ações de combate à pandemia de Covid-19. Foi de sua autoria a criação do Observatório Covid-19, que funciona como uma rede de monitoramento de dados epidemiológicos sobre contágio da doença, produzindo informações também sobre a qualidade do cuidado em saúde e sobre os impactos sociais do problema. 

Quanto à continuidade do combate à pandemia, a nova secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel, afirmou que a imunização contra o coronavírus será incorporada ao calendário anual do governo, seguindo os moldes do esquema vacinal da gripe. Serão criadas também políticas para atendimento e tratamento daqueles que desenvolveram a chamada “covid longa” – que seguem com sequelas da infecção.

Como promessa de gestão, a nova ministra afirmou que o Programa Nacional de Imunização (PNI) ganhará importância a partir da criação do Departamento de Imunização, que vai atuar em conjunto com a secretaria de Vigilância em Saúde. Nos últimos anos, a taxa de cobertura vacinal dos brasileiros vem despencando: em 2021, apenas 71% do público alvo estava vacinado contra a poliomielite – doença que havia sido eliminada do Brasil em 1994 –, taxa que em 2015 chegava a 98%. 

O relatório de transição do governo alertou para a permanência de uma “grave crise sanitária” no país e para a desestruturação do PNI, ao que a nova ministra afirmou que irá fortalecer a produção local e o chamado “Complexo Econômico Industrial da Saúde”, conceito cunhado pela Fiocruz que reforça a necessidade da autonomia nacional na produção de vacinas e fármacos.

“O Brasil é um grande consumidor de insumos estratégicos de saúde. Para ofertar medicamentos e equipamentos, a orientação atual é a importação. Nossa balança comercial na saúde é negativa”, explica Pasche. O fortalecimento de processos produtivos nacionais na área pode não só possibilitar maior autonomia do SUS, mas ampliar o tratamento para diferentes doenças. 

“O dinheiro colocado na saúde não é um gasto, é investimento. É importante que o Brasil se capitalize para desenvolver tecnologias inclusive para agravos que nos interessam, que dizem respeito à realidade epidemiológica do país”, completa. Enfermidades como a tuberculose, por exemplo, seriam beneficiadas com esse olhar.

Saúde conectada

A saúde digital ganhou uma secretaria própria: a Secretaria de Informação e Saúde Digital. O novo departamento será dirigido por Ana Estella Haddad, e terá o objeto de aplicar as diretrizes já indicadas na Estratégia de Saúde Digital para o Brasil. O plano, lançado em 2020, consolidou políticas em desenvolvimento, como o “Conecte SUS”. Em seu discurso, Trindade afirmou que as bases de dados em saúde brasileiras, reunidas no Datasus, serão integradas progressivamente à rede Nacional de Dados em Saúde.
Nísia Trindade mencionou a necessidade de balancear a liberdade do desenvolvimento de tecnologias e a preocupação central com a saúde do paciente: “Um dos desafios que se coloca é o de encontrar o equilíbrio entre o desenvolvimento e comercialização de bens, produtos e serviços digitais de saúde e a melhor proteção do paciente e da saúde individual e coletiva”.

 Saúde mental em pauta

Um dos impactos mais discutidos da pandemia foi a intensificação de problemas relativos à saúde mental. Durante o governo Bolsonaro, em 2020, a área sofreu ameaças de revogação de políticas que sustentavam a assistência em saúde mental. O corte de recursos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), braço do SUS responsável pelo atendimento em saúde mental, virou inclusive denúncia na Comissão de Direitos Humanos no Senado. O acesso aos serviços de saúde mental oferecidos pelo SUS se dá através da atenção primária, nas UBS, mas o desmonte de políticas públicas impôs barreiras para quem busca o tratamento com psicólogo ou psiquiatra.

Em sua posse, Nísia Trindade prometeu retomar a agenda da saúde mental alinhada à reforma psiquiátrica. Essa é uma política que determinou o fim gradual dos manicômios e o direcionamento de pacientes psiquiátricos para outros tipos de instituições, como os chamados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), residenciais terapêuticos etc. 

“Criar um Departamento de Saúde Mental é fundamental para colocar essa área em outra perspectiva. Mas é importante também transversalizar essas políticas: elas precisam estar presentes nos hospitais, nas UPAS. É preciso refazer a RAPS”, pontua Pasche.

Outra retomada anunciada é a realização das Conferências Nacionais de Saúde Mental, um dos braços temáticos que ajudam a pautar a Conferência Nacional de Saúde. Neste ano, será realizada a 5ª edição do evento, que se tornou palco de denúncias em 2021, quando integrantes do movimento antimanicomial acusaram o governo Bolsonaro de dificultar a realização da conferência.

Reconhecimento da pluralidade na saúde

Durante a cerimônia de posse, um dos nomes anunciados como secretária da gestão foi o advogado e líder indígena Weibe Tapeba, que assume a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Segundo o relatório final da equipe de transição de governo, o programa foi um dos inviabilizados pelos cortes no orçamento. 

“A Sesai precisa ser colocada em uma perspectiva de reconhecimento da pluralidade e das necessidades singulares das pessoas, sejam elas dos indígenas, das mulheres ou da população negra”, afirma Pasche. “Não se trata de levar a saúde do homem branco para os indígenas, mas também de recuperar saberes dos povos originários em relação ao cuidado com a saúde”, pontua.

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