O que saber sobre a nova proibição da Anvisa ao cigarro eletrônico
Além de manter a ilegalidade dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), a entidade pede campanhas de conscientização e uma fiscalização mais ativa. Pessoas com doenças respiratórias são as mais afetadas pelos danos desses produtos
No início de julho, em votação unânime, a Anvisa decidiu manter a proibição à comercialização de cigarros eletrônicos no país, que está em vigor desde 2009. Os fabricantes dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), também conhecidos como e-cigarettes, pods ou vape, não apresentaram evidências científicas que justificassem uma mudança da regra. Na decisão, a Anvisa também votou pela adoção de novas medidas de modo a reformar a legislação, inclusive com a realização de consulta pública.
O órgão indica a necessidade de campanhas de conscientização sobre os danos provocados pelos DEFs, além de projetos mais estruturados de fiscalização por parte das autoridades policiais.
Esses passos, porém, só virão em um segundo momento. Ele está previsto para ocorrer ainda em 2022, mas sem data. “Tudo segue igual”, resume o médico João Paulo Lotufo, uma das principais referências do país no debate em torno da disputa pela liberação do vape no Brasil.
O que, embora seja visto como positivo por especialistas em relação à proibição, também é considerado um problema pela falta de campanhas de conscientização e de uma fiscalização mais rígida e pró-ativa.
Apesar da proibição, que já tem 13 anos, o comércio irregular dos cigarros eletrônicos continua ocorrendo nas ruas de grandes cidades e na internet – e só costuma ser coibido após denúncias.
“Precisamos de algo mais enérgico. De campanhas esclarecendo. As mortes por drogas e álcool no país chegam muito perto das mortes que tivemos em um ano por Covid-19. E os cigarros eletrônicos vão se somar a isso”, aponta Lotufo.
Especializado em pneumologia pediátrica, o médico da USP coordena o Núcleo de Estudos de Combate ao Uso de Drogas por Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). Segundo ele, em outros países a publicidade da indústria de cigarros eletrônicos teve como alvo prioritário o público mais jovem, que não vinha sendo atraído pelo tabagismo como as gerações anteriores.
“Isso foi lançado para a juventude americana, disseminando a ideia nas escolas e nos acampamentos de verão, que lá são comuns”, explica o especialista. “A indústria corre atrás do prejuízo. No passado, havia em torno de 30% da população fumando, e hoje esse consumo caiu para menos de 10%. Então inventaram outra maneira de fumar”, completa.
O resultado dessa manobra publicitária foi nítido na década passada: segundo o National Youth Tobacco Survey (NYTS) dos Estados Unidos, o número de jovens norte-americanos em idade escolar que diziam usar cigarros eletrônicos regularmente chegou a um pico de mais de 5 milhões em 2019.
Com a pandemia, o consumo caiu drasticamente – havia baixado para 2 milhões no ano passado, de acordo com o levantamento mais recente –, mas ainda é considerado uma “preocupação contínua” pela FDA, a agência regulatória do país.
Embora os DEFs tenham sido originalmente promovidos como inócuos ou muito mais seguros do que um cigarro normal, os estudos e os médicos não corroboram essa afirmação. “Um cigarro eletrônico pode ter cerca de 15 vezes a nicotina de um cigarro normal. Então você fica mais facilmente dependente”, diz Lotufo. “A presença mais forte da nicotina levava alguns jovens americanos a roubar coisas de casa para comprar o refil para o vape. Era algo que só se via antes com drogas pesadas, não com cigarro comum”, destaca.
Além disso, a nicotina é capaz de causar, por si só, problemas à saúde. Um relatório da ACT – Promoção da Saúde enumera danos nos olhos, nos pulmões, na atividade sexual, nos ossos e por aí vai. E olha que os DEFs não carregam só nicotina.
Cuidados redobrados em pacientes crônicos
Além da dependência em si, outras substâncias presentes nos líquidos utilizados nos dispositivos foram associadas a uma série de complicações, com lesões pulmonares graves e uma pneumonia rara conhecida como lipoídica, relacionada à aspiração de partículas oleosas.
Entre 2019 e o início de 2020, no primeiro grande surto de “doença do vape” registrado nos EUA, mais de 2,7 mil pessoas foram hospitalizadas e 61 mortes confirmadas, a maioria na faixa etária entre 18 e 34 anos. Em pelo menos um caso, um jovem de 17 anos precisou de um transplante pulmonar duplo devido aos danos causados pelo cigarro eletrônico.
Esses casos estavam relacionados principalmente à vaporização de maconha. Mas… “O material para vaporizar a nicotina e os sabores colocados contêm um fluido com metais pesados cancerígenos, capazes de causar insuficiência respiratória grave semelhante à da Covid-19”, aponta Lotufo.
Quem tem doença respiratória crônica– asma, DPOC, etc – deve evitar qualquer risco maior para o pulmão, alerta o médico. Essas pessoas estão mais sujeitas aos danos dos DEFs.
A atenção vale também para o tabagismo passivo, quando a pessoa não fuma diretamente, mas convive com quem tem o hábito. Além dos problemas respiratórios associados à inalação, há um risco maior de desenvolver a dependência, principalmente caso o fumo passivo ocorra desde a infância.
“Essa criança, quando entrar em contato com a nicotina no futuro, tende a se viciar mais rapidamente, porque o cérebro já conhece a substância”, conclui Lotufo.
Como denunciar a comercialização irregular
A fiscalização do comércio de cigarros eletrônicos no Brasil ainda é principalmente reativa, dependendo de denúncias feitas pelo cidadão.
Caso encontre um anúncio na internet ou um ponto de vendas, é preciso contatar a Ouvidoria da Anvisa, que encaminha a denúncia para os órgãos competentes. Na página, deve-se preencher um formulário eletrônico detalhando as informações – é possível anexar fotos.