Pacientes com asma grave ainda enfrentam dificuldade de diagnóstico
Em evento, pacientes e familiares de pessoas com asma grave relatam longa jornada até identificação correta do problema. E apostam na informação para melhorar o cenário
Por Maurício Brum, da Redação AME/CDD
Desde que as crises de asma começaram, Michele Benavides contou pelo menos 30 internações, por baixo. Idas ao pronto-socorro se tornaram tão corriqueiras que ela até perdeu as contas: nos momentos mais graves, eram duas por dia. Chegava pela manhã com falta de ar, recebia um tratamento para os sintomas – e algumas horas depois voltava a buscar atendimento, debilitada e sem conseguir sequer caminhar, tomar banho ou trocar de roupa sem ajuda. O ar faltava a tal ponto que a impedia até mesmo de falar. “Aos 24 anos só me restou pensar: vou morrer”, ela relatou, durante o Seminário de Discussão e Elaboração do Acesso para o Tratamento Adequado de Asma Grave, evento realizado pela Fundação ProAR, em São Paulo, no último dia 23 de setembro.
Michele foi convidada pela organização justamente para lançar luz sobre uma situação comum a outros pacientes com asma grave: a longa jornada até receber uma resposta sobre a causa de suas dificuldades cotidianas. No seu caso, foram cinco anos de visitas frequentes ao atendimento de urgência, além das dezenas de internações, passando por médicos de diferentes especialidades até o diagnóstico correto.
“Vi minha vida declinar em muito pouco tempo e ninguém me falava absolutamente nada”, recordou. “Eu não conseguia fazer quase nada sem ajuda. Quando se fala em asma, todo mundo associa com a bombinha, mas não entendem o dia a dia de um paciente asmático grave”, lamentou em sua fala.
O caso de Michele entra na definição clássica de asma grave: quando a doença, caracterizada pela inflamação e inchaço das vias aéreas a ponto de prejudicar a inalação de ar, não é controlada nem mesmo com o uso dos medicamentos que funcionam nos casos menos severos. No extremo, como ela vivenciou, os sintomas se tornam um incômodo diário e prejudicam a realização das mais simples atividades do dia a dia.
E um dos desafios do diagnóstico reside precisamente nessa repetição: como a versão grave da doença é definida pela falta de resposta ao tratamento normal, mesmo um paciente que já foi identificado como tendo asma ainda pode sofrer por mais tempo até ser enquadrado no grau mais elevado de severidade.
Uma dificuldade ainda maior ocorre quando os sintomas aparecem na infância. Raissa Cipriano, presidente da Associação Brasileira de Asma Grave (Asbag), cuja filha convive com a doença desde os primeiros anos, também compartilhou no encontro a angústia das especulações sobre o problema real. “Em cada crise, sempre havia um motivo dado pelos médicos: ora era alérgico, ora era viral, mas nunca era por causa da asma. Os profissionais não chegavam a um diagnóstico para que ela pudesse começar o tratamento”, contou.
Nos momentos mais duros, recordou Raissa, a filha chegava a ficar internada duas vezes por semana. A mãe precisou parar de trabalhar seus dois outros filhos pararam de frequentar a escola por medo de trazerem algum contaminante – alérgeno ou vírus – que exacerbasse o problema da irmã
Informação e educação para vencer as dúvidas
Para Michele, a situação começou a melhorar quando ela enfim encontrou os cuidados do pneumologista Rafael Stelmach, que preside a Fundação ProAR, e passou a receber o tratamento mais adequado para sua situação. O médico aponta que a escassez de informações na área prejudicou historicamente o acesso ao diagnóstico.
“Até cerca de 20 anos atrás, não tínhamos informações corretas”, admitiu Stelmach. “Hoje é diferente. Só que esse conhecimento não é totalmente utilizado no Brasil: os pneumologistas são relativamente poucos, e os médicos que fazem o atendimento primário tratam a asma como se fosse uma ‘bronquite’”, completa.
A bronquite, porém, é uma manifestação aguda de inflamação das vias respiratórias, que pode ser tratada de maneira relativamente rápida – e sem repetição. A asma, por outro lado, é marcada pela cronicidade.
E é aí que entra a importância da educação sobre a doença, tanto para profissionais de saúde que têm o primeiro contato com um paciente em crise no pronto-socorro, quanto para familiares em busca do diagnóstico. Se a tal “bronquite” é um incômodo frequente, o mais provável é que se trate de um quadro de asma. E se a moléstia já afeta a rotina a ponto de inviabilizar atividades antes corriqueiras, deve-se ter atenção para uma possível asma grave.
“O foco na família é importante para entender que se trata de uma doença crônica, que não tem cura, mas que precisa e pode ser tratada”, destacou na conversa Cláudio Abrahão, presidente da Associação Brasileira de Asmáticos (Abra). “Além disso, educar garante que todas as gerações tenham melhores cuidados. Geralmente, quando há um asmático na família, ele não está sozinho. Vem de uma descendência”, ressaltou.
Para Gustavo San Martin, diretor-geral das associações AME e CDD e que também estava presente no debate, a informação permite que se vença a negação inicial diante de um diagnóstico precoce, o que possibilita que o tratamento comece o quanto antes. “Somos criados para ser infalíveis, e quando se recebe um diagnóstico desses a primeira reação é rechaçar: fiz tudo o que tinha que fazer para não ficar doente e agora tenho uma doença sem cura?”, pontuou. “Mas, se você diagnostica precocemente, seja a asma ou outra doença crônica, existem alternativas terapêuticas. Precisamos garantir que a pessoa envelheça bem com a doença, e que tenha garantia de que vai receber o tratamento adequado”, concluiu.
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