Projeto busca mapear genomas de pessoas com doenças raras no Brasil
Fruto de parceria do Hospital Israelita Albert Einstein com o Ministério da Saúde, o “Genomas Raros” quer tornar mais rápido o diagnóstico dessas condições e já se tornou o maior banco de dados genéticos do país
Fernanda Simoneto, da Redação AME/CDD
Os pacientes raros levam, em média, sete anos para obter um diagnóstico. Durante esse tempo, costumam ser atendidos por dezenas de médicos e realizar diferentes exames. Além da angústia, a falta de diagnóstico culmina em evolução do quadro e piora nos sintomas. Ou seja, tentativas de abreviar essa odisseia são fundamentais.
Há três anos, o projeto “Genomas Raros” dá esperança aos doentes raros do país. Encabeçado pelo Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o Ministério da Saúde, a iniciativa está fazendo o sequenciamento genômico de 8 mil pessoas com essas patologias.
“A taxa de diagnóstico do projeto hoje é de cerca de 40%, chegando a 50% nas doenças neurológicas”, celebra o médico imunologista João Bosco de Oliveira, coordenador da iniciativa.
O Genomas Raros trabalha em parceria com centros de referência de tratamento de doenças raras situados nas cinco regiões do país. O sequenciamento genético tem início com a coleta do DNA da pessoa. Depois, esse material é transportado até laboratórios do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo ou em Recife, onde são preparados para o sequenciamento. “É como se o DNA inteiro fosse picotado”, explica Bosco.
Os dados extraídos são analisados por especialistas que identificam quais as possíveis variações genéticas da amostra. Após essa etapa, a equipe envia um laudo médico indicando se alguma mutação genética foi encontrada para o centro que atendeu o paciente.
Os participantes do estudo são escolhidos pelos próprios centros de referência, que incluem locais cadastrados junto ao Ministério da Saúde, entre outros. “A condução, o aconselhamento final e a tomada de conduta terapêutica é do centro de referência. A gente entra na parte de acelerar o diagnóstico e de ajudar as famílias”, explica o imunologista.
Os responsáveis pelo estudo determinaram uma lista de patologias que podem ser atendidas, composta somente de doenças raras. No Brasil, são consideradas doenças raras aquelas que atingem 65 pessoas em um grupo de 100 mil indivíduos, mesma definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). A maior parte, cerca de 80%, são de origem genética – daí a importância desse tipo de atendimento.
Ao todo, estima-se que existam de 6 a 9 mil doenças raras no mundo.
O início do projeto “Genomas Raros”
Há três anos, o maior banco genético do Brasil, ligado ao “Projeto 80Mais”, possuía cerca de 1 200 amostras analisadas. Em 2020, quando João Bosco criou o Genomas Raros, a intenção era expandir o conhecimento genético.
Três anos depois, o banco já analisou 6.150 amostras de DNA sequenciadas por completo – cinco vezes mais. “Atualmente, é o maior projeto de genômica do país”, conta. “Quando eu pensei no projeto em 2020 foi para complementar a portaria 199”.
A portaria, de 2014, é o principal instrumento para o tratamento de doenças raras no país, e regulamentou a criação de centros de referência. “Era um bom começo, mas notamos que não existiam recursos dedicados a estudos genômicos de alto porte, que pudessem transformar a velocidade diagnóstica”, explica.
O “Genomas Raros” faz parte do projeto Genomas do Brasil, criado em 2020, que determina as diretrizes básicas para a instalação da medicina de precisão no país. A prática alia os métodos tradicionais de diagnóstico, como a avaliação dos sintomas e histórico familiar, com o perfil genético.
A segunda fase do “Genomas Raros” começará em 2024 – se aprovada pelo Ministério da Saúde – e deve sequenciar 12 mil genomas. Ao todo, o estudo pretende sequenciar 20 mil indivíduos, cerca de 20% da meta total do governo federal ao longo de cinco anos. “A gente passou de um estado de amadorismo para projetos bem estruturados, sob um arcabouço oficial do Ministério da Saúde”, conta Bosco.
Além do banco de dados, que será um combustível para a pesquisa no país, o estudo pretende demonstrar a efetividade de ter testes genéticos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Para facilitar a adoção dos testes pelo SUS, nós estamos fazendo estudos de custo- efetividade”, explica Bosco.
Na Inglaterra, por exemplo, testes genéticos são oferecidos para todas as crianças internadas em UTIs sem diagnóstico. Os resultados dão conta da importância do exame: uma a cada quatro crianças internadas possuem uma doença genética.