17.07.2020 Saúde Mental

Síndrome de Burnout em cuidadores

Por CDD

Cansaço físico, mental, frustração e sentimento de impotência são os principais sinais da Síndrome de Burnout em cuidadores

Sônia Nunes Rocha pode ser considerada uma ‘cuidadora múltipla’. Ela começou essa caminhada há 36 anos, com o nascimento da primeira filha diagnosticada com esquizofrenia. Depois, a outra filha apresentou os sintomas da Esclerose Múltipla. E, há quase uma década, Sônia cuida dos pais: a mãe, de 87 anos, com insuficiência cardíaca, ponte de safena e marca passo, e o pai, com 86, que teve meningite bacteriana.

Questionada se já se sentiu estressada com a função, a resposta é incisiva: “Sim. Às vezes pelo cansaço físico e muitas vezes pela impotência de não ter ou não poder fazer mais”, desabafa.

Há dez anos, Sarah Nicolleli também se tornou cuidadora do filho, diagnosticado com esquizofrenia paranóide. Hoje, o jovem tem 29 anos. “Já me senti cansada, deprimida, pois a esquizofrenia é uma doença mental com muitas nuances e sem aviso prévio. Num momento em que estão bem podem repentinamente ter uma mudança, como delírios (mania de perseguição). No caso de meu filho, em particular, o que me desestruturou muito foi a tentativa de suicídio. Eu e minha filha que socorremos e levamos para o pronto-socorro. Você se sente impotente ao saber que um filho está tão triste e com uma doença tão enigmática que prefere tirar a própria vida. Não há mãe que resista sem se deixar abater. Porém, nunca fui de demonstrar para ele minha fragilidade, mas quando o assunto vem à tona, impossível não chorar e ficar com medo. E se ele conseguir?”, reflete.

A Síndrome de Burnout está relacionada a uma reação de tensão emocional crônica ligada a profissionais que têm contato excessivo com outros seres humanos que sofrem de alguma enfermidade ou estresse. Por isso, de acordo com o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos, profissionais de saúde como os cuidadores são completamente suscetíveis. “O processo por trás do fenômeno é sobretudo a desilusão e a frustração e ocorre quando a pessoa percebe que não consegue tirar um sentido existencial do seu trabalho. Há ainda uma relação com o binômio onipotência versus impotência, quando o profissional, a partir de um processo de identificação, sofre junto com o doente a progressão negativa da doença. Cuidadores lidam com pessoas com a independência comprometida, sobretudo os que lidam com esclerose múltipla. A necessidade de suporte quase integral associada a piora do quadro do paciente pode levar o doente a uma situação de exaustão mental”, analisa o especialista.

A psicóloga Junia Cicivizzo Ferreira trabalha com o estresse dos cuidadores e enfatiza que existe um protocolo de “reconstrução” da identidade que é perdida graças ao Burnout. Ela enumera alguns dos sintomas predominantes: “Traços depressivos, cansaço físico e mental, frustração, autoestima muito rebaixada, culpa e impotência diante do diagnóstico. Alguns desenvolvem ansiedade também”.

Um dado curioso: o universo dos cuidadores ainda é dominado essencialmente por mulheres. Esse é um dos destaques da pesquisa de Eloyse Davet, graduada em História pela Univille, em Santa Catarina, e mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela mesma universidade. “Algo que me chamava muita atenção era como se davam as relações entre cuidador e pessoa cuidada, tendo em vista que todos os cuidadores eram familiares e quatro eram mulheres. Isso me despertou para pensar mais sobre como as questões de gênero são influentes quando pensamos em cuidadores. O cuidado é algo visto como feminino e isso vem de uma base de socialização em que vê no feminino o que é necessário para se tornar um cuidador”, explica Eloyse Davet.

Sobre estratégias para a preservação de saúde mental dos cuidadores, o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos aconselha a prática de exercícios físicos, meditação, grupos de apoio, recreação, hobbies, tempo com família, hábito de leitura, buscar o comportamento otimista e desenvolvimento de habilidades interpessoais.

Apesar da literatura científica, os cuidadores criam os próprios mecanismos de sobrevivência diante dos desafios, como esclarece Sônia Nunes Rocha: “Faça tudo por amor, nunca por favor, que com certeza conseguiremos vencer barreiras. Se cuida, porque só podemos oferecer e dar o que temos e sentimos. Então, se queremos dar o que é bem e bom, temos que primeiro estarmos bem e bons”. E Sarah Nicolleli ressalta: “Viva o dia de hoje, um dia de cada vez. Não temos o poder de prever o amanhã. Sofrer faz parte da vida, todos em algum momento iremos enfrentar algo. Cabe a nós saber trabalhar este sentimento e informar-se sobre a doença, pois a informação transforma. Caminhar, cuidar da autoestima, manter alguns velhos hábitos positivos e nunca vitimizar-se”, conclui.

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