Taxação de alimentos não saudáveis: o que mostram as experiências de outros países
Projetos sobre o a taxação de alimentos não saudáveis avançam no Brasil e encontram resistência da indústria. Estudos apontam ganhos na saúde e na economia de lugares que já adotaram medidas semelhantes
Mais de 50 países já adotaram a medida de cobrar mais impostos sobre alimentos não saudáveis, mas, aqui no Brasil, a ideia ainda avança lentamente. A proposta sugere taxar as comidas ultraprocessadas e bebidas açucaradas, como os refrigerantes, e utilizar os recursos para incentivar, entre outras coisas, o consumo de produtos que trazem mais benefícios ao corpo, além de aplicar o dinheiro no próprio sistema de saúde.
A indústria resiste à perda dos benefícios fiscais atuais, mas novas evidências dos resultados lá fora vêm demonstrando as vantagens de uma taxação mais severa sobre produtos que contribuem para o aparecimento de doenças crônicas relacionadas à alimentação inadequada.
No Brasil, hoje, são dois os principais projetos de lei em tramitação sobre o tema, ambos relacionados ao mercado de bebidas açucaradas. Mas, com muitos interesses em jogo, a caminhada legislativa é demorada. O PL 1755, por exemplo, que busca proibir a venda de refrigerantes em escolas da educação básica, foi apresentado originalmente em 2007. Mais avançado está o PL 2183, de 2019, que em maio passou para análise da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado: a proposta busca criar uma tributação especial para a produção, comercialização e importação dos refrigerantes, destinando os recursos à Saúde.
“Até cinco anos atrás se falava pouco ou quase nada sobre esse assunto, mas o debate vem crescendo no Brasil. Hoje temos várias instituições e organismos que defendem a tributação, inclusive órgãos do governo. É algo que vem ganhando corpo”, comenta a nutricionista e epidemiologista Bruna Kulik Hassan, consultora da ACT Promoção em Saúde e uma das responsáveis por um estudo publicado em 2021 que analisou resultados de experiências similares ao redor do mundo.
Benefícios da taxação foram vistos em outros países
Um dos principais argumentos da indústria contra a taxação se baseia no suposto peso econômico que a medida teria, algo questionado pelos pesquisadores. Hoje, produtores de bebidas açucaradas, por exemplo, encontram incentivos em diferentes pontos do processo sem entregar uma contrapartida condizente. Fabricando insumos geralmente na Zona Franca de Manaus, eles ainda contam com outros benefícios através de isenções e reduções de impostos como ICMS, IPTU e IPI. “Isso faz com que elas tenham cerca de R$ 4 bilhões por ano em isenções, um valor desproporcional para um grupo de empresas que, na realidade, tem uma contribuição muito baixa em termos de geração de empregos”, afirma Hassan.
Além disso, o impacto econômico alegado pelos fabricantes não se confirmou na prática em outros países que já adotaram a taxação. “O que acontece é uma substituição, uma redistribuição da economia. Em países que fizeram isso, você tem um deslocamento de produção e de empregabilidade para outros setores e, no fim das contas, acaba vendo um aumento no emprego, na arrecadação e no PIB”, argumenta a pesquisadora. Hassan cita os exemplos da Filadélfia, nos EUA, e do México, que tomaram iniciativas semelhantes e já começaram a consolidar dados demonstrando os resultados positivos da medida. No Brasil, o incremento do PIB dependeria das alíquotas que ainda seriam definidas, mas em alguns cenários a projeção pode chegar a R$ 7 bilhões.
Os especialistas, porém, apontam também ser preciso inverter o descompasso hoje existente, que faz ultraprocessados e açucarados acabarem sendo mais baratos – ou, pelo menos, não serem tão impactados pela inflação – na comparação com produtos mais saudáveis. “Não é possível pensar em mexer só num ponto específico, como a taxação, se não pensarmos no todo. É preciso pensar em medidas que mudam esse sistema alimentar que hoje favorece o consumo de alimentos não saudáveis desde o início da vida”, argumenta Hassan.
Saúde também tem a ganhar
Além da taxação em si, com a aplicação dos recursos diretamente no sistema sanitário, as pesquisas citam a importância do incentivo à agricultura familiar e a desoneração de alimentos saudáveis como formas de favorecer a substituição do consumo. De forma mais ampla, pensando também nos benefícios à saúde, os pesquisadores defendem a restrição à oferta de produtos menos saudáveis em escolas e ainda mais controle à publicidade desses alimentos, especialmente aqueles voltados ao público infantil.
Como as medidas ainda são recentes mesmo em outros países, os estudos relacionando o início da taxação a vantagens de longo prazo na saúde da população precisam esperar – embora um levantamento de impactos mais imediatos já tenha demonstrado, no México, uma queda na prevalência de cáries após a adoção das medidas.
Mas já é possível inferir outros benefícios em função dos já conhecidos perigos causados pelo consumo dos alimentos menos saudáveis, inclusive em relação ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis relacionadas à alimentação, explica Hassan. “Há evidência bastante consolidada de que o consumo de bebidas adoçadas tem relação com o aumento de risco de uma série de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e obesidade. O consumo aumenta a chance de desenvolver essas condições e morrer mais precocemente”, diz a pesquisadora.
“Uma estimativa recente aponta que pelo menos 2 milhões de pessoas desenvolvem obesidade e os problemas de saúde que vêm com ela exclusivamente pelo consumo de bebidas açucaradas. Podemos reduzir esse número”, aposta a nutricionista.