Viver bem com fibromialgia exige conhecimento da doença e de si mesmo
Viver bem com fibromialgia exige conhecimento da doença e de si mesmo
Sem causa conhecida, a fibromialgia provoca dor generalizada pode ter impactos na saúde mental e requer abordagem multidisciplinar, além de compreensão sobre os gatilhos para as crises
Por Bettina Gehm, da Redação AME/CDD
A estudante de pedagogia Clara Guimarães, de 20 anos, teve a primeira crise de dor ainda na infância, aos 12. O desconforto sequer tinha um ponto definido no corpo. Até o início da vida adulta, ela sofreu com a chegada do inverno rigoroso no Rio Grande do Sul, onde mora – o frio desencadeava novas crises.
“Eu achava que ia morrer porque tinha alguma doença misteriosa que ninguém sabia. Era muita dor, e não passava”, lembra Clara. Depois de consultas com vários especialistas e uma bateria de exames que não indicaram doença alguma, aos 17 anos ela foi diagnosticada com fibromialgia. Dor constante e generalizada, fadiga e distúrbios do sono caracterizam essa condição que afeta cerca de 2,5% dos brasileiros.
“Minha trajetória escolar foi conturbada, porque, quando eu tinha as crises, ficava muito tempo afastada da escola”, relata a estudante. Quando foi para o Ensino Médio, Clara decidiu cursar magistério em uma escola-internato que fica em Ivoti, cidade a 50 quilômetros de Porto Alegre. Mas as crises de fibromialgia impediram que ela morasse longe de casa, e a estudante voltou para a capital do estado. “Eu nunca tinha ouvido falar em fibromialgia, mas foi um alívio, porque eu imaginei que finalmente poderia começar a me tratar. Daí veio outro baque: não há um tratamento específico ou cura”, lembra.
Uma revisão das características e dos tratamentos da doença, publicada na revista Nature em 2020, aponta que o mecanismo de ação da fibromialgia no corpo não é compreendido até hoje. A condição não se manifesta por sinais clínicos visíveis, e exames físicos podem apenas revelar maior sensibilidade à pressão em pontos do corpo conhecidos como tender points (pontos sensíveis, em inglês). No entanto, essas regiões já tendem a ser mais sensíveis do que outras na maioria das pessoas, mesmo sem a doença.
Clara conta que, antes do diagnóstico, o cotidiano era dificultado até nas tarefas mais simples: “Tudo que eu fazia doía. Mesmo que eu não fizesse nada, doía. Tomar banho era um sacrifício, escovar o cabelo, às vezes botar tênis”.
Depois do diagnóstico, ela continuou tendo crises, mas, aos poucos, foi identificando junto com profissionais quais medicamentos mais a ajudavam a aliviar os sintomas. “Foram crises intensas, mas o principal para mim foi saber que eu sou capaz de vencer”, diz.
Entre os sintomas mais críticos da fibromialgia estão dificuldades de concentração e déficits de memória. Depressão e ansiedade, também frequentes em quem tem fibromialgia, além da própria dor, podem piorar ainda mais os sintomas cognitivos.
A fibromialgia é mais prevalente em mulheres – para cada homem, são quatro mulheres, em média. Um estudo, realizado entre 2015 e 2018 na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) avaliou 90 mulheres com fibromialgia. Entre as participantes, 60% apresentaram algum grau de depressão. A pesquisa conclui que a intensidade da dor tem um forte impacto na qualidade de vida, o que aumenta a melancolia.
Tratamento vai além dos remédios
“A maior parte dos pacientes têm que tratar a doença durante toda a vida”, afirma o reumatologista Marco Antônio Rocha Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia. “Uma pessoa pode ter crises recorrentes ou estar controlada. Mas de qualquer forma tem que ser acompanhada por um reumatologista, porque se trata de uma doença crônica”, ensina.
Os medicamentos usados para tratar depressão também costumam ser receitados para quem tem fibromialgia. Anticonvulsivantes e relaxantes musculares são usados para conter sintomas mais agudos, como a dor generalizada. “Nem todos os pacientes são tratados da mesma forma. Depende da pessoa e da intensidade da doença”, afirma Loures.
Clara usava diversos remédios desde os 12 anos para enfrentar as crises. “Sempre foi uma coisa que me incomodou porque, ao mesmo tempo que ajudava na dor, piorava outras coisas por causa dos efeitos colaterais”, lembra.
Mas o acompanhamento dos médicos e os exercícios físicos (que no início Clara fazia por pura obrigação) ajudaram a estudante a lidar com os sintomas da fibromialgia e a conseguir, aos poucos, deixar de tomar alguns dos remédios. “Meu primeiro ano sem crises, em 2021, foi especial. Eu vi que meu esforço tinha valido a pena”, relata.
“Não é só remédio. Tem que fazer pintura, exercícios, trabalhos manuais”, recomenda Loures. Além disso, o entendimento dos familiares é essencial: como a fibromialgia não aparece em exames, quem convive com uma pessoa acometida pela doença pode achar que ela está “inventando” a dor, o que piora ainda mais o estresse.
O acompanhamento de um psicólogo também pode ser um grande aliado. Aquela revisão publicada na Nature aponta que, entre as abordagens da psicoterapia, a terapia cognitivo-comportamental é a mais estudada e praticada no tratamento da fibromialgia. Essa abordagem ensina estratégias de enfrentamento que podem ser usadas, inclusive a longo prazo.
Enfrentar a doença passa por compreender o que dispara as crises de dor, o que varia conforme a pessoa. No caso da Clara, o frio era um inimigo. “Descobrir os meus gatilhos foi importante para a minha rotina. Hoje, saio mais agasalhada quando está chegando o inverno”, conta.
Clara já não sente mais dor ao realizar atividades do dia a dia. E há períodos em que não sente dor alguma. Mas em outros – em especial quando está mais sensível emocionalmente – ela sente o desconforto. “Se começa a dor ou outro sintoma, eu preciso parar e prestar atenção em qual foi o gatilho. O meu corpo fala, e ele me ensinou que eu sou obrigada a escutar”, conclui.
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