07.10.2022 Asma

Os desafios para identificar a asma mais cedo e tratá-la adequadamente no Brasil

Entender a asma como uma doença crônica. Parece óbvio, mas para especialistas esse é um dos grandes entraves encontrados hoje na atenção primária a pacientes com asma que ainda não receberam o diagnóstico correto. Durante o Seminário de Discussão e Elaboração do Acesso para o Tratamento Adequado de Asma Grave, realizado pela Fundação ProAR, em São Paulo, no dia 23 de setembro, profissionais de saúde ressaltaram a importância de um atendimento multidisciplinar que permita a identificação adequada e precoce do problema.

“O paciente acha que é uma doença de crises, que basta ir ao pronto-socorro tratar e está resolvido. Não é assim: ela tem picos, mas precisa ser tratada constantemente”, argumenta Angela Honda, pneumologista da Unidade de Reabilitação Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e líder de Programas Educacionais da Fundação ProAR. “É uma doença como hipertensão e diabetes, com tratamento contínuo e profilático”, completa.

Honda ressalta a importância de profissionais fora da medicina aprenderem a identificar os sinais da asma, uma vez que isso facilita o referenciamento correto para o diagnóstico. Um farmacêutico, por exemplo, deveria acender o alerta diante de uma pessoa que compra medicamentos broncodilatadores com frequência, mas ainda não se identificou como alguém com asma. 

Médicos de outras especialidades que não a pneumologia também deveriam buscar a causa da crise, em vez de apenas cuidar dos sintomas. “Muitas vezes, o que chega até o pneumologista não é uma pessoa com asma grave, mas com a asma agravada por outras questões descontroladas”, cita a pneumologista Marina Lima, coordenadora de pesquisa clínica do Hospital Dia do Pulmão, em Blumenau (SC).

Para a médica de família Sonia Martins, docente de atenção primária na saúde do adulto e idoso na Faculdade de Medicina do ABC e pesquisadora principal do Projeto Respire Bem Brasil, a experiência prática demonstra que a presença de mais profissionais capacitados facilitaria inclusive o aproveitamento das conversas com os pacientes. “A gente percebe que a pessoa muitas vezes não fala para o médico aquilo que ela conta para o enfermeiro ou para o farmacêutico”, explica. “Na atenção básica, a falta de conhecimento desse tipo de quadro faz com que as equipes tratem apenas os sintomas, sem avançar para o diagnóstico”, lamenta.

Em um cenário de pandemia, onde muitos especialistas tiveram de se concentrar mais na Covid-19 do que em outras doenças, as unidades de saúde que realizam o primeiro atendimento ganharam atenção especial – e, mais uma vez, os profissionais que atendem nesses locais devem entender que a asma é uma doença crônica. Dessa forma, diagnósticos seriam antecipados. 

O principal sinal de alerta: se um mesmo indivíduo busca atendimento repetidas vezes com dificuldades para respirar, seu caso não deve ser encarado como um problema esporádico. “Talvez não esteja devidamente difundido na atenção primária que as crises não são pontuais, mas crônicas. Sem esse entendimento, não vamos melhorar o cuidado da asma”, insiste o pneumologista Rafael Stelmach, presidente da Fundação ProAR.

A função dos centros de referência

Sem um diagnóstico na atenção primária, o resultado é que muitas pessoas acabam recorrendo a centros de referência – onde estão as equipes multidisciplinares, com médicos com experiência no tratamento de asma. São, idealmente, locais com pneumologistas, alergistas e grupos de apoio com equipes de otorrinolaringologia, fisioterapia, psicólogos e até mesmo assistentes sociais, que auxiliam no convívio com a doença recém-identificada e suas consequências na rotina.

“Quando recebem esse atendimento completo, os pacientes não querem sair de lá, porque sabem de uma ausência ou uma falha anterior nessa caminhada. Mas o centro de referência não pode ser a solução para tudo”, defende Vinícius Borges, presidente da comissão estadual de farmácia terapêutica do Espírito Santo. 

Na opinião do gestor, sem o apoio de outras unidades do sistema de saúde, esses centros ficam sobrecarregados e incapazes de se concentrar naquelas que deveriam ser suas missões prioritárias: o tratamento de casos realmente graves, o ensino e a pesquisa sobre a doença. “Um dos desafios é garantir que o paciente tenha confiança nesse atendimento primário, e não vá para outro lugar”, complementa Sonia Martins.

Segundo os especialistas, a detecção de um possível quadro de asma também poderia ocorrer sem que a pessoa enfrente uma situação de crise, especialmente na infância, com algumas políticas públicas simples. É comum, por exemplo, que uma criança com esquema vacinal incompleto tenha deixado de receber uma dose porque enfrentou uma crise no dia de aplicação do imunizante – uma situação que seria identificada perguntando aos pais (e registrando) o motivo daquela ausência. 

No mesmo sentido, o registro das razões do absenteísmo escolar identificaria padrões de problemas de saúde associados à asma, no caso de uma criança que estivesse faltando constantemente por precisar de atendimento para questões respiratórias.

O diagnóstico mais precoce da asma pode ser beneficiado, ainda, repensando a relação entre a atenção primária e os centros de referência. A telemedicina, que ganhou espaço na pandemia, deveria ser cada vez mais uma aliada nos diálogos entre os próprios médicos, poupando o paciente de deslocamentos e da longa jornada entre consultas com diversos especialistas. 

“É necessário estabelecer um sistema em que o médico mais experiente dos centros de referência ajude os menos experientes de outros locais, tanto no SUS quanto na saúde suplementar”, conclui o alergista Alvaro Cruz, também diretor da Fundação ProAR. 

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