06.04.2023 Outras Patologias

‘A cultura patriarcal contribui para um lugar que naturaliza mulheres como cuidadoras’, afirma pesquisadora da Unifesp

Por CDD

Rosiran Carvalho de Freitas Montenegro constatou, em doutorado, que 83% do público que ocupa posição são mulheres

Roberta de Moura, tem 35 anos, e mora na capital paulista. Quando a filha tinha seis meses de vida, começou a ter vômitos, perda de peso e diversas infecções, como de ouvido e garganta, uma atrás da outra. Os médicos chegaram a cogitar que a pequena tinha câncer no fígado.

Em 2012, Larinha recebeu o diagnóstico de deficiência de esfingomielinase ácida, a ASMD, também conhecida como Niemann-Pick, uma doença rara. Sobre a rotina com a pequena, Roberta explica que é corrida: “É uma loucura! Minha mãe diz que é difícil me acompanhar, mas trabalho três vezes na semana fisicamente no escritório. Busco a Larinha todos os dias na escola, mas nesses três dias divido a tarefa com o pai, Felipe. Duas vezes na semana fico em casa. Aí acordo, preparo o café da manhã, começo a trabalhar e logo já organizo a Larinha e suas coisas da escola. No fim de semana, levo e busco nas atividades extras que ela realiza para deixar os pulmões mais fortes”.

A professora doutora Rosiran Carvalho de Freitas Montenegro, que é assistente social, atuou na área de Saúde Pública por mais de 30 anos no atendimento à população na Rede Básica de Saúde. No trabalho, lidava cotidianamente com as dificuldades vivenciadas pelas mulheres cuidadoras. Ela decidiu, então, aprofundar esse debate com a pesquisa de doutorado focada nas pessoas que cuidavam de idosos vinculados a alguns serviços de saúde e/ou de assistência social.

“Constatei que 83% das pessoas que cuidavam eram mulheres. E, no caso de cuidadores homens, estes tinham a mulher no auxílio, direta ou indiretamente. As mulheres realizavam essa tarefa com sobrecargas, adoecimentos, abrindo mão muitas vezes de projetos de vida, além da sobrecarga emocional de ser cuidadora de entes queridos em condição de dependência, muitas vezes com estrutura precária”, afirma a docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista.

Sobre o papel de cuidadora, Roberta desabafa: “Recebemos o rótulo de super heroínas por fazermos tudo, mas não acho isso. Se conseguimos fazer tudo, todos conseguem. Eu gostaria de dividir sim minha carga emocional e física, mas nem sempre o resultado é positivo. E, cada vez mais, sinto que a carreira solo é a minha realidade e de tantas outras mulheres cuidadoras”.

A mãe de Larinha sente que, na maioria das vezes, deixa seus desejos e sonhos de lado para ter mais tempo com a filha. “Não me arrependo mas, se eu tivesse o apoio esperado, talvez os resultados fossem outros. Eu consegui me formar em Recursos Humanos, pois era o que eu conseguia na época, mas sempre tive o sonho de fazer Psicologia. Comecei outra faculdade que gostei bastante, que foi Comunicação Social, mas devido a pandemia, dinheiro e outros problemas que surgiram com a Larinha, deixei de lado”, relata.

De acordo com a professora Rosiran Carvalho de Freitas Montenegro, existe um fator indiscutível que coloca as mulheres, de forma ‘automática’, como cuidadoras nas famílias brasileiras: “A cultura patriarcal contribui para um lugar que naturaliza a mulher como cuidadora, justificando isso pelos seus “atributos” naturais. A ausência de políticas para o cuidado deixa essa responsabilidade na família, a qual recai diretamente para as mulheres. São as esposas, filhas, cunhadas, netas que mais exercitam as tarefas de cuidado”.

Em 2021, a doutora publicou o livro ‘Envelhecimento com Dependência e o Debate do Cuidado como Direito Social”, que faz essa discussão crítica do tema. “Esta questão tem sido invisibilizada, tem ficado no ambiente privado e doméstico. Entendemos que é uma questão da esfera pública, daí a importância de falar sobre isso”, diz.

Cuidadoras de pessoas idosas em condições de dependência

Rosiran focou a pesquisa para o doutorado de como funcionam as dinâmicas de cuidado de pessoas idosas em condições de dependência. As tarefas de uma mulher neste lugar variam.

“As cuidadoras de pessoas em condições de dependência, no caso desta pesquisa, têm que lidar com inúmeras atividades diariamente e na maioria das vezes o fazem sem auxílio de outros membros da família por não existir ou não ter condições para cumprir esse papel: banho, medicações, tratamentos de saúde, alimentação, transporte, dentre outros. É comum encontrar uma pessoa idosa cuidando da outra”, afirma.

É preciso levar em conta também o esgotamento mental das cuidadoras, deixando de dar atenção a si mesmas. “O desgaste físico e emocional faz com que estas pessoas fiquem impossibilitadas de fazer atividades simples como ir ao mercado, por exemplo. Mas verifiquei que pessoas pararam de trabalhar para cuidar de seu ente querido, ficando também desprotegida no caso do próprio cuidado”, acrescenta a professora da Unifesp.

Existem políticas públicas para cuidadores?

O debate sobre ‘cuidar de quem cuida’ parece estar muito mais presente em grupos de estudo, associações de pacientes, como a Crônicos do Dia a Dia, que tem o projeto ‘Acolher e Transformar’, ou em algumas famílias que já entenderam a necessidade de dar atenção ao tema.

“Penso que esta é uma pauta complexa que envolverá mais de uma política pública e que tem sido debatida no meio acadêmico, necessitando ser incorporada no debate com a sociedade. O país não deveria ter uma ‘Política para Cuidados de Longa Duração’?”, sugere a professora doutora Rosiran Carvalho de Freitas Montenegro.

Ela ressalta que existem iniciativas nessa perspectiva que merecem ser aprofundadas e enfrentadas pela sociedade brasileira. “Entendo que envolve serviços de cuidado, apoio às pessoas que cuidam e que estão no escopo da Seguridade Social Brasileira, envolvendo saúde, previdência e assistência social. Além, é claro, de todas as medidas que minimizem a brutal desigualdade entre o homem e a mulher no nosso país, tão discutida nos últimos dias por ocasião do Dia Internacional da Mulher”, conclui.

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