18.04.2023 Outras Patologias

Cresce número de pessoas com doenças inflamatórias intestinais. Por quê?

Por CDD

Cresce número de pessoas com doenças inflamatórias intestinais. Por quê?

Doenças inflamatórias intestinais como de Crohn e retocolite ulcerativas exigem um  tratamento multiprofissional contínuo. Causas exatas ainda são debatidas pela ciência 

Valentina Bressan, da Redação AME/CDD

As doenças inflamatórias intestinais (DII) afetam mais de 5 milhões de pessoas mundialmente, segundo compilação da Sociedade Brasileira de Coloproctologia. Em um estudo de 2021, um grupo de cientistas que incluía o presidente da organização demonstrou que a prevalência dessas doenças no Brasil aumentou de 30 para 100 pessoas a cada 100 mil apenas entre 2012 e 2020.

“Há um ‘surto’ de DII no mundo. Ainda não sabemos se é devido a um maior número de diagnósticos ou se há algum fator ambiental”, explica o gastroenterologista Gustavo Hahn, membro do núcleo de DII do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre. 

As DIIs mais conhecidas, a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, são crônicas. São também imunomediadas – isto é, ocorrem devido a problemas no sistema imune –, um mecanismo similar ao de uma doença autoimune, em que as células de defesa passam a atacar o próprio organismo. No caso das DIIs, porém, não é possível identificar um tipo específico de anticorpo responsável pela ação. 

As pessoas mais frequentemente diagnosticadas pelas DII estão na faixa dos 20 a 30 anos. Mas, segundo o gastroenterologista, cada vez mais diagnósticos têm surgido nos extremos da vida. “Com o aumento da expectativa de vida, temos visto mais pacientes com 50, 60 anos. E também há cada vez mais crianças com DII”, afirma. 

Nos idosos, a doença costuma ser mais branda. Já no público infantil, tende a ser mais agressiva. Pessoas com origem europeia e judaica têm uma propensão maior a desenvolver as DIIs.

Diferenciação das doenças intestinais envolve múltiplos fatores

O diagnóstico exige avaliação clínica e uma série de exames, como endoscopia, colonoscopia e testes sanguíneos. Os sintomas da doença de Crohn e da retocolite ulcerativa se confundem. Mas existem diferenças entre as duas enfermidades.

Enquanto a retocolite afeta apenas o intestino grosso, a doença de Crohn pode se espalhar por todo o trato gastrointestinal. Embora se manifeste predominantemente numa porção do intestino chamada de íleo terminal, o Crohn provoca sintomas como dor abdominal recorrente, anemia e perda de peso. Em menores de 16 anos, também é notado um déficit na curva de crescimento. 

Em ambas as doenças, o paciente pode apresentar diarreia com sangue, muco e pus. Esse tipo de sintoma, entretanto, é mais comum na retocolite. Nesse caso, também há risco de incontinência fecal. Aliás, um fator de diferenciação de outras doenças intestinais – como a síndrome do intestino irritável – é que a diarreia provocada pela retocolite é tão forte que acorda a pessoa à noite. 

Investigação das causas

As causas das DIIs ainda não são totalmente claras para a ciência. No entanto, já existem apostas sobre fatores que desencadeiam esse tipo de enfermidade.  Em um artigo publicado na revista científica GUT, da Sociedade Britânica de Gastroenterologia, cientistas demonstraram que o abuso de antibióticos aumenta o risco de DII.  

“O artigo corrobora uma das teorias atuais a respeito das doenças”, afirma Hahn. “O antibiótico afeta a microbiota intestinal saudável, o que pode deixar o intestino vulnerável a outros patógenos”. Aí, micro-organismos nocivos atacariam a região e desencadeariam uma reação exagerada do sistema imunológico – seria a inflamação típica das DIIs. 

Segundo Hahn, a microbiota tem sido foco especial de estudos, e novas descobertas sobre a relação entre DII e o uso de medicamentos são aguardadas. Por enquanto, as pesquisas ainda são iniciais: não existem evidências sólidas que justifiquem, por exemplo, o uso de probióticos ou prebióticos como forma de precaução.

A influência genética também é pesquisada. Em famílias com histórico de enfermidades autoimunes ou imunomediadas de forma geral, há maior risco. Já existem indicações de que certas mutações estão associadas às DII. Mas atenção: exames de mapeamento genético ainda não são indicados pelos médicos, principalmente pelo custo. Isso, entretanto, talvez mude no futuro.

Também são considerados o tabagismo, o consumo de álcool e o histórico de cirurgias e lesões na área intestinal. Os alimentos ultraprocessados são outro perigo em potencial. 

Tratamento

Nas DII, os médicos não trabalham com o conceito de cura, mas de remissão. Para considerar que a doença está estagnada, é preciso comprovar o sumiço dos sintomas e também a chamada remissão laboratorial, a partir da normalização de marcadores inflamatórios e de exames de imagem. 

Os tratamentos são variados, e dependem do tipo de doença, da extensão e da localização da inflamação. Na retocolite ulcerativa, podem ser utilizados pela via oral e até local. Se a doença é grave, primeiro é preciso induzir a remissão inicial com corticoides, para “apagar o fogo” da inflamação, como ilustra Hahn. Depois, são introduzidos imunossupressores ou imunobiológicos para regular a resposta do sistema de defesa.  

Na doença de Crohn, medicações tópicas ou orais não surtem efeito. Esse critério é inclusive usado para bater o martelo sobre os diagnósticos. Nesse caso, é mais comum usar imunobiológicos, isolados ou em combinação com imunossupressores. 

Para um tratamento que garanta uma melhora da qualidade de vida, é preciso realizar acompanhamento com um grupo multidisciplinar. Isso porque a convivência com essas doenças crônicas exige um cuidado nutricional e psicológico, e também porque as DII podem se manifestar além do intestino. 

Repercussões fora do intestino

As manifestações extraintestinais podem ser cutâneas, oculares e afetar o fígado. As DII provocam ainda artrite, eritemas nodosos, esclerites nos olhos e até espondilite anquilosante. Essas condições não têm momento definido para ocorrer, e são verificadas antes do diagnóstico, quando a doença está ativa ou mesmo quando já foi controlada. 

Por serem imunomediadas, as DII estão associadas a um risco maior de de outras enfermidades imunológicas. É o caso do hipotireoidismo, da doença celíaca e de doenças reumatológicas e oftalmológicas. 

Um acompanhamento médico próximo é essencial para fazer frente aos desafios do tratamento: a eficácia das terapias pode diminuir ou a inflamação mudar de rota inflamatória. “É uma doença que tem altos e baixos mesmo com tratamento”, explica Hahn. 

Outro alerta para pessoas diagnosticadas com doenças inflamatórias intestinais há mais de oito anos é a regularidade dos exames. Após esse período, as doenças inflamatórias intestinais aumentam o risco de câncer colorretal. 

Por isso, os médicos indicam realizar a colonoscopia anualmente ou a cada dois anos, de acordo com o estágio da doença. Esse rastreio pode ser feito via SUS.

Cuidados com a dieta

Ainda não existem orientações gerais para prevenção de doenças inflamatórias intestinais, justamente porque as causas não estão estabelecidas. Não existem dietas preventivas. 

Mas, para quem convive com o diagnóstico, médicos costumam contraindicar o consumo de fibras, verduras e frutas nas fases mais ativas da doença. “É bem ao contrário do que se costuma dizer, mas isso serve para controlar os sintomas, porque não queremos que o paciente tenha diarreia”, diz Hahn. Também é preciso evitar leite e derivados nesse período. 

Mas para quem está com a doença controlada, a dieta não precisa ser restritiva. Aí entra o acompanhamento com o nutricionista e outras especialidades. De forma geral, para manter a saúde do intestino, as indicações médicas são as mesmas: evitar carne vermelha em excesso, alimentos ultraprocessados e ter uma dieta mais natural. 

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